sábado, 23 de novembro de 2024

Pudim de pão

– Quer um pedaço de pudim de pão?

Silêncio. Nenhuma resposta e a paciência dela se esgotando.

– Vou perguntar mais uma vez, só que vou subir o tom de voz... QUER UM PEDAÇO DE PUDIM DE PÃO?

Mas o que é isso? Você sempre me desconcentrando...

– Sem problemas, vou voltar pra cozinha e me servir sozinha!

– Não! Depois de me provocar com pedaços de alegria como as fatias de seu pudim de pão, vai me deixar aqui chupando o dedo?

– Que eu saiba você estava concentrado jogando videogame, mas se preferir pode chupar o dedo... você tem 10 opções nas mãos... e se o alongamento estiver em dia, tem mais 10 nos pés... fique à vontade!

– Como você é cruel, hein!?

– Vamos fazer o seguinte... vou sair e quando eu retornar, você, por favor, me receba com júbilo nesse sagrado recinto.

– Com o quê?

– Ah... esquece! Só me receba com animação!

Ela sai, fecha a porta devagar, fica no corredor durante cinco minutos, contados no relógio, e abre a porta novamente com os olhos brilhando.

– Oi... tudo bem? Aceita um pedaço de pudim de pão?

Com um enorme sorriso no rosto e modulando a voz como em um filme musical, ele aceita o pedaço do acepipe.

– Claro! Adoraria saborear uma fatia de alegria com você, querida!

– Que ótimo! Já coloquei a mesa para nosso lanche rápido.

– Ah! Mas precisa ser na mesa? Pensei que ia... está bem... vamos à mesa... só espere...

Ela olha com desaprovação, como se estivesse lidando com um aluno irresponsável que precisasse tomar advertência.

– ... está bem! Já estou indo, o que eu estava fazendo não tem a menor importância diante de estar em sua companhia saboreando seu pudim de pão!

– Então, vamos!

Ele olha para a tela do videogame com um ar de quem está perdendo algo precioso. Enquanto ela o espera no corredor irritada, mas se esforçando para manter o rosto sóbrio.

– Ah! Só mais uma coisa, querido, não leve o celular para nosso lanche furtivo!

– Lanche o quê?

– Está na hora de parar um pouco com o videogame e quem sabe...

– ... ler um pouco! Não seja injusta, adoro ler, só que...

– ... só que, ultimamente, quando tem um minuto de folga, já mergulha nesses jogos do cacete!

– Ué? Quando acabou a necessidade de usarmos palavras bonitas como as saídas dos romances do século 19?

– Quando você me fez perder a paciência mais uma vez, querido!

Ele a abraça rindo e os dois seguem para a sala de jantar.

– Também te amo! :)


* A ilustração é da querida parceira @alikailustra ❤️

quarta-feira, 20 de novembro de 2024

Dedicação e amizade

A HQ "Céleste e Proust", da quadrinista francesa Chloé Cruchaudet, narra a história de Céleste Albaret, governanta, secretária e, acima de tudo, amiga e confidente do escritor Marcel Proust, que foi decisiva enquanto o autor escrevia sua obra-prima "Em busca do Tempo Perdido". Paciente e sempre disposta a ajudar, Céleste era de uma dedicação à toda prova ao ícone da literatura mundial, chegando a ser, muitas vezes, sua fonte de inspiração. Mesmo assim, a relação dos dois têm momentos de tensão, pela personalidade complexa Proust.      

Sempre elegante e solícita, Céleste conquista a confiança do escritor! Em um dos muitos momentos singelos da HQ, já idosa, ela lembra de certa vez, depois de se verem às voltas com inúmeros papeizinhos com as correções de sua obra, Proust, já com a saúde bastante fragilizada e quase sem forças para escrever, entrega um bilhete à sua governanta, que diz:: "Obrigado, Céleste, você está linda hoje!" Uma bela relação de amizade, que marcou ambos profundamente.

A narrativa é encantadora! Além de Céleste e Proust, tenho que registrar dois personagens importantes para a protagonista: Odilon, seu marido, e Marie, sua irmã, presenças marcantes ao longo de toda a história! 
Mas o que mais me encanta nesta HQ é a arte em aquarela... de uma beleza arrebatadora! Cada página é uma obra de arte, as cores e a sutileza do traço ao retratar os cenários de Paris são dignas de aplausos! Inclusive, até despertou aquela vontade adormecida de voltar à cidade luz e aproveitar suas ruas cheias de poesia! :)

sábado, 16 de novembro de 2024

Delicadezas

O aroma de cidreira se espalha pelos ambientes da casa. Ela entra na sala de leitura, trazendo uma bandeja com duas xícaras de chá fumegantes e um prato de bolo, cortado em quadradinhos. Pé ante pé, ela deposita a bandeja, delicadamente, no aparador, senta-se na poltrona cor de caramelo, cruza as pernas e fica ali por alguns segundos. 

De repente, ela quebra o silêncio dando um leve pigarro. Ele não levanta os olhos do livro, mas um sorriso se abre em seu rosto.

– Por favor, faça uma pausa, o chá vai esfriar... não se preocupe, em seguida, deixo você novamente com seus estudos!

– Claro! Prefere ir à sala de jantar para saborearmos o chá da tarde mais confortavelmente?

– Não quero atrapalhá-lo. Lembre-se que prometeu me levar à apresentação de música clássica amanhã! 

– Vai ser ótimo! Vou terminar minha pesquisa sem falta! E, amanhã, adoraria que usasse aquele vestido pérola...

– Você adora aquele vestido!

– Na verdade, adoro você com aquele vestido!

– Assim me faz corar... vamos ao chá!

– Vai usar o vestido pérola?

– Fique tranquilo! Não vou decepcioná-lo.

– Você nunca me decepciona... aliás, que chá é esse? Uma delicia!

– A infusão com ervas frescas é sempre adorável e combina muito bem com o bolo de baunilha!

– Sim, combinação perfeita! Como você e eu!

– Como nós dois no concerto de música clássica!

– Ou ouvindo rock. A verdade é que juntos combinamos com todo tipo de música, livros, filmes!

– Mas seu tio não acha isso... ele disse que você merecia uma mulher mais sofisticada do que eu.

– Esqueça aquele ranzinza... sempre dizendo: chá combina com livros clássicos e música instrumental! Ora, para que tantas regras? Como diria minha avó: o que é de gosto, regalo da vida! Qual o problema de tomar chá de cidreira lendo uma história em quadrinhos? Ou um milk-shake lendo Guerra e Paz?

– Concordo! Desculpe ter falado de seu tio, vamos aproveitar nosso momento!

– Vamos aproveitar cada minuto... sempre! Preciso fazer outro pedido, amanhã, use os brincos de brilhantes... realçam seus olhos!

– Estarei elegantemente vestida e adornada!

– Tenho certeza! Quer que eu vista algo específico, um terno, sapatos, abotoaduras?

– A mim, basta seu braço enlaçado ao meu.

– Adoro suas delicadezas! :)

quarta-feira, 13 de novembro de 2024

Desumanidade

Guerras sempre foram e continuam sendo cruéis e sem sentido. A HQ "Maus - A história de um sobrevivente", de Art Spiegelman, mostra de maneira direta e, extremamente, dura as atrocidades que nazistas alemães submeteram judeus no campo de concentração de Auschwitz, durante a Segunda Guerra Mundial.

Art narra a experiência de seu pai, Vladek Spiegelman, como sobrevivente do Holocausto. A narrativa alterna momentos de tensão mostrando a ascensão do nazismo com a história de amor de seus pais, Vladek e Anja, tudo isso em meio a problemas cotidianos enfrentados durante as entrevistas que resultaram na obra.  Embora tensa, a leitura é fluida, a arte é certeira e rica em detalhes. 

Sinceramente, gosto de histórias em quadrinhos mais suaves, mas acredito que o Holocausto deva ser sempre recontado para que a humanidade não esqueça e não repita atitudes devastadoras como essa. O mais triste é que, ao longo das décadas e atualmente, as guerras continuam devastando e dizimando populações inteiras por todos os continentes! A paz se faz cada vez mais necessária! Viva as HQs que estão aí, não só para nos divertir, mas também para provocar reflexões e nos conscientizar sobre as dores do mundo!

sábado, 9 de novembro de 2024

Quadrinistas necessários!


Uma das maiores quadrinistas brasileiras, Laerte continua, ao longo dos anos, nos surpreendendo com sua arte e humor nonsense! Pra provar, trago dois momentos... O primeiro é a tirinha Piratas do Tietê (acima), publicada em 06/11/2024, na Folha de S. Paulo, que fala sobre nossa atenção perdida... rsrsrs... um belo exemplo de como a artista consegue se aproximar do leitor, provocando gargalhadas e identificação imediata com a situação... rsrsrs... Laerte é genial seja nas tirinhas de jornal (adoro que ainda existam tirinhas e jornais!), seja em HQs clássicas como as que foram reunidas na compilação "A insustentável leveza do ser e outras histórias", publicadas, originalmente, em edições das revistas Chiclete com Banana e Circo, na fase de reabertura política, pela qual o Brasil passou depois dos sombrios anos da ditadura.  

São quatro histórias... "A insustentável leveza do ser" (1987); "Os homens-pizza" (1989); "Aquele cara..." (1989) e "Penas" (1988)... não vou contar detalhes, mas posso dizer que a beleza do traço e a versatilidade de Laerte contando suas histórias recheadas de humor e crítica social são um bálsamo para quem gosta de ler histórias em quadrinhos que não só nos divertem, mas também nos fazem refletir sobre os absurdos do cotidiano.

Ah! E as tirinhas de Angeli que continuam atuais e também nos fazem refletir sobre as mazelas do mundo. Seu traço certeiro e seu humor ácido merecem todos os elogios e reverência! A tirinha "O Público e o Privado" (ao lado), publicada, em 27/10/2024, na Folha de S. Paulo, é de uma inteligência e de um sarcasmo dignos de aplausos e, mais uma vez, gargalhadas... claro que com um leve travo de amargura (fazendo uma referência à bela canção "Meu mundo e nada mais", de Guilherme Arantes), mas como diria nosso grande poetinha Vinícius de Moraes: "é melhor ser alegre que ser triste, a alegria é a melhor coisa que existe" , mesmo que, muitas vezes, nosso dinheiro continue indo para o beleléu e o dos hómi sempre indo pra cucuia!


Laerte, Angeli e tantos outros artistas do traço e da língua afiada são sinônimos de humor absolutamente necessário. Viva os cartunistas, quadrinistas, ilustradores que nos fazem melhores e mais fortes pra enfrentar essa porra toda! :)

sábado, 2 de novembro de 2024

Ah... comédias românticas!

Existem filmes que, independentemente, de qualquer coisa, são adoráveis, divertidos... podemos assistir inúmeras vezes que continuarão nos encantando e nos provocando gargalhadas e suspiros! "Um lugar chamado Nothing Hill" (1999), que, este ano, comemora 25 anos de seu lançamento, é um desses e figura na minha lista de melhores comédias românticas de todos os tempos.

Este foi o primeiro de uma série de DVDs que comprei quando eles ainda eram a doce maneira de ver e rever um filme que gostávamos e, detalhe, com a possibilidade de abraçar a caixinha, afinal, contato físico é sempre, infinitamente, melhor!

Gosto de um tudo nesse filme, a começar pelo roteiro de Richard Curtis. Adoro filmes de roteiro, onde o diálogo é o principal (claro que isso deve ter a ver com o fato de que amo escrever histórias)! Hugh Grant é um dos meus atores preferidos, é um ser britânico absoluto, faz as maiores peripécias com aquela cara blasé e tem um charme todo especial, interpretando William Thacker, dono de uma livraria de rua no bairro mais romântico de Londres. 

Adoro as caras apaixonadas que ele faz para a estrela norte-americana Anna Scott, (Julia Roberts) que um belo dia aparece em sua livraria e, a partir daí, a história se desenrola e se enrola pra depois se desenrolar de vez e tudo ficar bem pra alegria de quem, como eu, gosta de comédias românticas!

Preciso citar Spike (Rhys Ifans), o amigo que divide o apartamento e situações hilárias com William. E ele não é só hilário, mas é muito fofo quando se junta à turma de amigos para ajudar o protagonista a ir ao encontro de sua amada... ui! Outra coisa que gosto é que os personagens coadjuvantes, além de serem todos importantes para o desenvolvimento da trama, são ricos e muito bem construídos, o que faz com que a gente torça pra tudo dar certo! Ah... a trilha sonora também é de lascar de boa... principalmente, o inspirador Charles Aznavour cantando a suave "She"... uau!

Richard Curtis assina também o roteiro de outra comédia romântica que adoro: "Quatro casamentos e um funeral" (1994), que, este ano, completa 30 anos! Hugh Grant também é o protagonista! Desde a primeira vez que assisti me chamou muito a atenção e me instigou a escrever meu primeiro roteiro/livro, que continua até hoje inacabado em uma gaveta virtual no meu notebook. Gostei tanto que até comprei o livro com o roteiro do filme. Curtis cria diálogos muito bem construídos, personagens divertidos, mas, ao mesmo tempo, profundos! Adoro! Aplausos aos roteiristas criativos e ao cinema de qualidade! :)