quarta-feira, 10 de dezembro de 2025

Samba em quadrinhos

Quando fui à 27ª Festa do Livro da USP, no mês passado, levei um roteiro dos livros que queria comprar, mas aberta a conhecer novas obras, principalmente, no pavilhão das HQs!

Passando pela mesa da Zapata Edições, uma capa em especial me chamou a atenção... quando me aproximei, descobri que a história envolvia Adoniran Barbosa... meu cartão de crédito até suspirou (imagino ele dizendo: lascou... ela vai querer comprar)... rsrsrs... Pois é, junte uma bela arte com um dos ícones do samba de São Paulo e a paulistana aqui logo se anima! Resultado: comprei mesmo!

A HQ em questão é "Tempo Discos, o perigoso pagode do Gerson", de Samuel Sajo, Rodrigo Febronio e Al Stefano, que ainda tem um tempero a mais: o nome do malandro que tenta roubar as canções de Adoniram é xará do meu irmão... rsrsrs... Inclusive, por isso e também por compartilhar a admiração pelo Adoniran, ele ganhou um exemplar! Merecido!

Misture uma vitrola mágica, viagem no tempo e samba de qualidade... assim é a aventura de Paulinho e Amélia para evitar que Gerson, o malandro... rsrsrs... roube as canções, o talento e a história de Adoniran Barbosa... tudo isso acontecendo a partir de uma loja de discos no Bixiga!

A narrativa é rica e dá o tom ao citar canções clássicas como, por exemplo, "Saudosa maloca", "Torresmo à milanesa", "As Mariposas", "Tiro ao Álvaro", "Iracema" e a doce "Prova de carinho". Sem contar a presença da escritora Carolina Maria de Jesus, autora de "Quarto de despejo", que ao lado de Adoniran, como diz a HQ e assino embaixo, são dos "maiores cronistas da vida do povo de São Paulo"! A leitura é fluida e como dizem, li numa sentada... rsrsrs...

A arte é outro destaque e o mais curioso é que o traço me lembrou o Amigo da Onça, criado pelo cartunista Péricles, publicado pela primeira vez na Revista Cruzeiro, em 1943, personagem que se tornou popular, inclusive, por ser o arquétipo de amigo falso e traiçoeiro! Talvez o nariz alongado de Gerson Horta e sua safadeza me fizeram lembrar desse ícone da malandragem! Viva nossos quadrinistas! :)

sábado, 6 de dezembro de 2025

Um simpático meliante

O que mais gostei em "Arsène Lupin, ladrão de casaca", do francês Maurice Leblanc, é a forma como o autor nos envolve nas tramas desse elegante e simpático meliante!

O livro reúne as primeiras nove aventuras do personagem, publicadas, originalmente, de julho de 1905 a julho de 1906, na revista "Je Sais Tout". São narrativas instigantes em que Arsène Lupin aparece em várias situações, valendo-se de sua especial habilidade em se disfarçar até mesmo de narrador das histórias, por vezes, enganando os próprios leitores... e a gente embarca legal... rsrsrs...

A irreverência de Leblanc, inclusive, ironizando o famoso detetive inglês Sherlock Holmes, de Conan Doyle, cria um personagem sedutor e enigmático, que consegue se safar de todos os golpes que aplica com inteligência e bom-humor! É uma leitura leve que, a cada página, nos faz tentar desvendar os próximos passos do protagonista!

A edição da saudosa Editora Ática foi presente do meu irmão Gerson, que estava organizando seus livros e descobriu que tinha mais de um exemplar... oba! Obrigada, Gé, por me presentear com pérolas que garimpa entre seus tesouros literários! Viva a gentileza! Viva a Literatura! :)

quarta-feira, 3 de dezembro de 2025

Raízes e memórias afetivas

"Roseira, medalha, engenho e outras histórias", primeiro trabalho de Jefferson Costa como escritor e desenhista, é de uma delicadeza ao retratar, por meio de relatos de membros de sua própria família e pessoas próximas, experiências que traçam um relato comovente e, ao mesmo tempo, cativante.

Desenhista premiado, Jefferson se mostra um hábil roteirista em uma narrativa que trabalha junto à arte de forma encantadora. A obra é irretocável e nos oferece uma história, absolutamente, humana e universal, que nos toca ao longo das páginas e nos faz refletir sobre a nossa própria vida, nossa origem!

Gostei bastante também do roteiro não linear, alternando momentos e épocas diferentes, retrando as dificuldades e desafios impostos pela seca, com uma linguagem realista, tornando a HQ ainda mais impressionante como registro de uma região e suas pessoas.

Ainda que mostre uma região específica, a narrativa me emocionou quando Zeca e Cotia resolvem levar as crianças pra "cumadi" Nega benzer... essas cenas me fizeram voltar à uma doce lembrança... quando minha avó materna me benzia de quebranto quase que diariamente... e eu, atrevida, ficava tentando entender o que ela dizia enquanto rezava. Às vezes, minha risada até desconcentrava minha avó que logo dizia pra minha mãe não ficar brava, porque estava tudo bem, era coisa de criança! Agradeço o autor por me fazer lembrar de minha avó com seu galhinho de arruda na mão, vindo me proteger com sua bênção ancestral. Pois é, quando uma HQ nos brinda com histórias de família, em algum momento, acabamos por nos identificar!

A arte é um caso à parte, porque Jefferson domina totalmente a forma como cada passagem de tempo ou assunto é retratado, as cores são escolhidas estrategicamente para contar essa história da maneira mais apropriada, dependendo da ação, sombrias quando necessário, mas muito iluminadas (como a página ao lado) para mostrar a alegria em um tempo em que "criança não trabaiava" e podia brincar no rio ou "trepano em árvre"! Aplausos para o talento de Jefferson Costa! Viva as histórias em quadrinhos que nos lembram nossas próprias histórias! :)

sábado, 29 de novembro de 2025

Sobre sonhos

– Será que a gente consegue viajar no próximo feriado prolongado? Eu sei que é um horror pegar a estrada lotada, mas quando a gente chega na praia é tão bom ficar contemplando o mar...

Que romântica, amor! O que foi? Tá sensível?

Eu não tô, eu sou sensível, querido!

Claro... quis dizer que hoje, neste momento, você está mais sensível que o normal.

Ah! Assim é melhor... tava aqui lembrando que adoro ficar caminhando na areia, molhando os pés na água, olhando a linha do horizonte, aqueles barcos enormes em alto mar...

Bonito... mas prefiro só olhar assim de longe. 

Ahahaha... não te critico, também prefiro só olhar... 

Mas, diga-me, o que te fez lembrar de barcos em alto mar?

– Ah! É que ontem tava lendo "O conto da ilha desconhecida" do grande...

– ... José Saramago!

– Sim! Adoramos esse português, né, amor?

– Como não amar esse Zé tão especial?

– Ahahaha... adoro!

– Então, conta...

– Pensei que íamos comentar a obra!

– Ainda não li, querida!

– Não acredito! Achei que você tinha lido quando me mostrou...

– Foi um presente pra você, amor! Não me dei o direito nem sequer de folheá-lo... queria que você lesse antes.

– Que gentileza, amor!

– É um prazer te presentear, ainda mais com livro, que a gente ama!

– Realmente, amamos! Então, vou falar o que mais gostei nesse conto de nosso querido Saramago.

– Tô curioso...

– Não vou detalhar, porque quero que você leia pra depois a gente comentar juntos!

– Beleza! Então, fala o que você mais gostou!

– Primeiro, a ironia e a genialidade de Saramago faz qualquer obra ser marcante! E esse conto narra a história de um homem que bate à porta das petições do palácio para pedir ao rei um barco que o leve à ilha desconhecida... a conversa entre eles é ótima, vou ler um trecho: "... E tu para que queres um barco, pode-se saber, foi o que o rei de facto perguntou quando finalmente se deu por instalado, com sofrível comodidade, na cadeira da mulher da limpeza, Para ir à procura da ilha desconhecida, respondeu o homem, Que ilha desconhecida, perguntou o rei disfarçando riso, como se tivesse na sua frente um louco varrido, dos que têm a mania das navegações, a quem não seria bom contrariar logo de entrada, A ilha desconhecida, repetiu o homem, Disparate, já não há ilhas desconhecidas, Quem foi que te disse, rei, que já não há ilhas desconhecidas, Estão todas nos mapas, Nos mapas só estão as ilhas conhecidas, E que ilha desconhecida é essa de que queres ir à procura, Se eu to pudesse dizer, então não seria desconhecida, A quem ouviste tu falar dela, perguntou o rei, agora mais sério, A ninguém, Nesse caso, por que teimas em dizer que ela existe, Simplesmente porque é impossível que não exista uma ilha desconhecida, E vieste aqui para me pedires um barco, Sim, vim aqui para pedir-te um barco, E tu quem és, para que eu to dê, E tu quem és, para que não mo dês, Sou o rei deste reino, e os barcos do reino pertencem-me todos..."

– E ele conseguiu o barco, amor?

– Ah! Aí você vai ter que ler!

– Que crueldade...

– Como assim? Eu te dei o prazer de me ouvir lendo um trecho lindamente escrito por nosso querido autor... foi um aperitivo...

– ... pra abrir o apetite da leitura? Parabéns, pois abriu... ahahaha...

– Ahahaha... mas não vou contar mais nada, o que posso dizer é que o conto é sobre a busca pelos sonhos e a necessidade de lutar para realizá-los... é poético, é irônico, é divertido, é profundo, é pra refletir...

– ... é Saramago! Gostei, agora, passa pra cá que quero ler!

– Sério?

– Por quê? Que carinha é essa?

– Ah! Pensei que tínhamos combinado um cineminha...

– É mesmo... quase esqueci, mas a culpa é sua que fica me tentando com boa leitura!

– Ahahaha... vai desistir? Se soubesse não tinha lido nada pra você...

– Não fala assim, adorei sua leitura enfática!

– Já vi que me lasquei, não quer mais ir ao cinema, prefere ficar lendo? O que eu posso fazer se também sou imbatível lendo em voz alta!

– Engraçadinha... claro que vamos ao cinema, mas deixa eu guardar o livro nas minhas coisas, se não você esconde...

– Não seja injusto, eu só guardo na estante depois que nós dois lemos a obra... e detalhe: guardar na estante não é sinônimo de esconder!

– Obrigada pela aula de língua portuguesa, amor! Mas agora, vamos logo que a sessão de cinema não nos espera!

– Pois devia, somos cinéfilos assíduos e estamos sempre comparecendo às sessões, divulgando os filmes, fazendo o tradicional boca a boca!

– Boca a boca? Gostei!

– Deixa de ser quinta série, amor... vou pegar minha bolsa.

– Não demora, porque se eu for te buscar no quarto, o cinema vai ficar pra outro dia... ahahaha...

– Ahahaha... sem comentários! :)

quarta-feira, 26 de novembro de 2025

Poesia ilustrada


Na semana passada, fui visitar a exposição "Drummond em cena", no Conjunto Nacional, na Avenida Paulista! A mostra, que reúne 10 ilustrações inspiradas na obra de Carlos Drummond de Andrade é um belo passeio pra quem, como eu, adora quando a Literatura dialoga com as Artes Visuais!

Uma estátua do poeta, em tamanho natural, dá as boas-vindas, cercado por poemas cheios de sutileza, delicadeza e sabedoria, como "O tempo", "Para sempre" e "Amor...", que destaco na foto ao lado por ter me emocionado (outra vez, pois já o conhecia) e por acreditar que realmente "de amor andamos todos precisados" para nos alegrar, nos reumanizar e ir pra frente... que "nos vacine contra o feio, o errado..." Ah! Poeta, suas palavras continuam tão atuais e necessárias nesse mundo frio feito de telas e relações on-line. Sorte termos a poesia, a arte e a cultura para nos salvar das nossas e das dores do mundo!

Adorei todos os artistas, mas vou destacar o ilustrador Kleverson Mariano por dois motivos: primeiro, porque adorei o poema que ele escolheu ("O amor antigo") e a forma como retratou as várias faces do amor... casais cativantes... cores vivas! Segundo, porque já conhecia e admirava seu traço, inclusive, ele é autor de uma ilustração que me inspirou a escrever a crônica "Aflições caninas", postada aqui, em junho de 2024! Mais uma vez, obrigada pela generosidade!

Além de divulgar o talento dos artistas, a exposição também é uma forma de aproximar quem gosta de ler de quem gosta de arte visual... e melhor ainda, é uma grande oportunidade de descobrir e redescobrir a necessária poesia de Drummond!

Para completar minha humilde imersão na obra do poeta, li "Sentimento do mundo", publicado em 1940. Ler poesia é estar aberto às provocações, reflexões e até à leveza! Por isso, quero citar um poema em especial, por sua delicadeza divertida: "Indecisão do Méier", que diz assim: "Teus dois cinemas, um ao pé do outro, por que não se afastam para não criar, todas as noites, o problema da opção e evitar a humilde perplexidade dos moradores? Ambos com a melhor artista e a bilheteira mais bela que tortura lançam no Méier". Aplausos para o talento sensível de Drummond! :)

sábado, 22 de novembro de 2025

Um talento criativo injustiçado

Quando foi lançada a HQ "Bill Finger - à sombra de um mito", do roteirista norte-americano Julian Voloj e do desenhista israelense Erez Zadok, fiquei muito curiosa, afinal, era sobre o cocriador do Batman.

Na capa, a máquina de escrever me tocou... escrever não é fácil, participar da criação de um dos maiores ícones da cultura pop deve ter sido uma enorme satisfação... por outro lado, não ser reconhecido como cocriador deve ter sido uma dor inimaginável. E esse não reconhecimento gerou inúmeras dificuldades para Bill, não só financeiras, mas emocionais.

É triste ver uma cabeça tão criativa ser explorada da maneira como foi. Quando Bob Kane, que já trabalhava na indústria de quadrinhos, conheceu Bill Finger viu nele uma usina de ideias! Pena que desde o primeiro trabalho juntos, Kane não creditou o nome de Bill e quando cobrado respondeu que aquele era só o começo. Pois é, só o começo de uma das maiores injustiças que o mundo das HQs veria em sua história!

Baseada no livro "Bill the Boy Wonder: The secret co-creator of Batman", que o autor norte-americano Marc Tyler Nobleman escreveu após longa investigação sobre Bill Finger, a HQ mostra depoimentos de personalidades da época, que trabalharam com o roteirista e reiteraram a importância dele como o verdadeiro criador da persona de Batman, temperamento, história e origem, inclusive, elementos como o traje, a sombria Gothan City e toda a complexidade de Bruce Wayne. Mesmo com uma participação no desenvolvimento do homem-morcego muito maior que a de Kane, que apenas idealizou o visual do personagem, Bill não foi reconhecido em vida. Por isso, acredito que o maior mérito da HQ é trazer à luz, mais uma vez, alguém que viveu à sombra de uma indústria injusta que passou a creditar o nome do criador de Batman apenas em 2015, ou seja, 76 anos depois de sua primeira publicação, em 1939. 

Bill Finger é uma mente brilhante que merece ser reverenciada! Aplausos aos roteiristas e desenhistas que juntos, cada um com seu talento, nos brindam com obras inesquecíveis! Viva as histórias em quadrinhos! :)

quarta-feira, 19 de novembro de 2025

A genialidade de um grande escritor

"Os Maias", obra-prima de Eça de Queirós, é uma leitura, absolutamente, prazerosa! O escritor português narra a história de três gerações de uma família, marcada por tragédias, na bela Lisboa do final do século XIX. 

Antes de mais nada, preciso dizer que além do autor ser um dos meus favoritos (já postei sobre ele aqui), este livro, especificamente, sempre esteve na minha lista de desejos e, finalmente, consegui comprar uma edição que coube no meu bolso... rsrsrs... Lembro de quando assisti a minissérie (TV Globo), no início dos anos 2000... desde então tinha certeza que, embora tenha adorado a adaptação para TV, a leitura seria ainda mais encantadora! Acertei!

A escrita de Eça de Queirós tem, da primeira à última linha, todas as características que admiro: narrativa envolvente, profunda quando tem de ser e irônica quando preciso for; personagens profundamente humanos e cativantes; e a tão necessária crítica social... tudo isso em um cenário que nos transporta à época! Confesso que cada vez que leio uma obra de Eça, aumenta minha vontade de visitar Portugal... fico me imaginando pelas ruas de Lisboa... Porto... é inspirador! Quando isso acontece, costumo esconder o cartão de crédito, imediatamente, para evitar compras de passagens aéreas por impulso... ahahaha!

Voltando ao livro, propriamente dito, podemos dizer que o casarão da família, o Ramalhete, é um dos personagens da história pela enorme influência que exerce no desenvolvimento da trama com seu ar sombrio, misterioso e ao mesmo tempo acolhedor. Ao longo dos anos, o Ramalhete se torna, cada vez mais, uma espécie de refúgio do avô Afonso da Maia, do neto Carlos e dos amigos da família, que vivem discutindo os rumos do País e de uma sociedade que caminha para o progresso a passos lentos, comparada à Paris e Londres.

O mérito do autor está em nos apresentar um enredo irretocável que, mesmo apresentando temas delicados e tensos como traição, suicídio, incesto e intrigas, nos envolve em uma narrativa rica e extremamente humana. Os personagens são realmente memoŕaveis e conquistam o leitor pela forma como tentam enfrentar os problemas, como encaram a vida. As conversas entre Carlos e João da Ega são um caso à parte, sejam as mais filosóficas, sejam as mais mundanas, carregam sempre 
boas pitadas de ironia.

Recentemente, li também "O Mandarim", um dos contos fantásticos de Eça, que conta a história de Teodoro, um funcionário público que leva uma vida pacata e monótona, sem muitas aventuras... até que um pacto que envolve uma certa herança muda sua vida. 

No texto sobre a obra, assinado pelo autor, ele discorre a respeito da necessidade de todo escritor português criar contos fantásticos para não sufocar nem morrer de nostalgia de seus sonhos! Adorei essa confissão... rsrsrs... e encerra dizendo: "Depois de escrita a última página, corrigida a última prova, ganha-se a rua, retoma-se o caminho e volta-se ao severo estudo do homem e de sua eterna miséria." Aplausos à genialidade do grande Eça de Queirós! Viva a Literatura! :)