– Que romântica, amor! O que foi? Tá sensível?
– Eu não tô, eu sou sensível, querido!
– Claro... quis dizer que hoje, neste momento, você está mais sensível que o normal.
– Ah! Assim é melhor... tava aqui lembrando que adoro ficar caminhando na areia, molhando os pés na água, olhando a linha do horizonte, aqueles barcos enormes em alto mar...
– Bonito... mas prefiro só olhar assim de longe.
– Ahahaha... não te critico, também prefiro só olhar...
– Mas, diga-me, o que te fez lembrar de barcos em alto mar?
– Ah! É que ontem tava lendo "O conto da ilha desconhecida" do grande...
– ... José Saramago!
– Sim! Adoramos esse português, né, amor?
– Como não amar esse Zé tão especial?
– Ahahaha... adoro!
– Então, conta...
– Pensei que íamos comentar a obra!
– Ainda não li, querida!
– Não acredito! Achei que você tinha lido quando me mostrou...
– Foi um presente pra você, amor! Não me dei o direito nem sequer de folheá-lo... queria que você lesse antes.
– Que gentileza, amor!
– É um prazer te presentear, ainda mais com livro, que a gente ama!
– Realmente, amamos! Então, vou falar o que mais gostei nesse conto de nosso querido Saramago.
– Tô curioso...
– Não vou detalhar, porque quero que você leia pra depois a gente comentar juntos!
– Beleza! Então, fala o que você mais gostou!
– Primeiro, a ironia e a genialidade de Saramago faz qualquer obra ser marcante! E esse conto narra a história de um homem que bate à porta das petições do palácio para pedir ao rei um barco que o leve à ilha desconhecida... a conversa entre eles é ótima, vou ler um trecho: "... E tu para que queres um barco, pode-se saber, foi o que o rei de facto perguntou quando finalmente se deu por instalado, com sofrível comodidade, na cadeira da mulher da limpeza, Para ir à procura da ilha desconhecida, respondeu o homem, Que ilha desconhecida, perguntou o rei disfarçando riso, como se tivesse na sua frente um louco varrido, dos que têm a mania das navegações, a quem não seria bom contrariar logo de entrada, A ilha desconhecida, repetiu o homem, Disparate, já não há ilhas desconhecidas, Quem foi que te disse, rei, que já não há ilhas desconhecidas, Estão todas nos mapas, Nos mapas só estão as ilhas conhecidas, E que ilha desconhecida é essa de que queres ir à procura, Se eu to pudesse dizer, então não seria desconhecida, A quem ouviste tu falar dela, perguntou o rei, agora mais sério, A ninguém, Nesse caso, por que teimas em dizer que ela existe, Simplesmente porque é impossível que não exista uma ilha desconhecida, E vieste aqui para me pedires um barco, Sim, vim aqui para pedir-te um barco, E tu quem és, para que eu to dê, E tu quem és, para que não mo dês, Sou o rei deste reino, e os barcos do reino pertencem-me todos..."
– E ele conseguiu o barco, amor?
– Ah! Aí você vai ter que ler!
– Que crueldade...
– Como assim? Eu te dei o prazer de me ouvir lendo um trecho lindamente escrito por nosso querido autor... foi um aperitivo...
– ... pra abrir o apetite da leitura? Parabéns, pois abriu... ahahaha...
– Ahahaha... mas não vou contar mais nada, o que posso dizer é que o conto é sobre a busca pelos sonhos e a necessidade de lutar para realizá-los... é poético, é irônico, é divertido, é profundo, é pra refletir...
– ... é Saramago! Gostei, agora, passa pra cá que quero ler!
– Sério?
– Por quê? Que carinha é essa?
– Ah! Pensei que tínhamos combinado um cineminha...
– É mesmo... quase esqueci, mas a culpa é sua que fica me tentando com boa leitura!
– Ahahaha... vai desistir? Se soubesse não tinha lido nada pra você...
– Não fala assim, adorei sua leitura enfática!
– Já vi que me lasquei, não quer mais ir ao cinema, prefere ficar lendo? O que eu posso fazer se também sou imbatível lendo em voz alta!
– Engraçadinha... claro que vamos ao cinema, mas deixa eu guardar o livro nas minhas coisas, se não você esconde...
– Não seja injusto, eu só guardo na estante depois que nós dois lemos a obra... e detalhe: guardar na estante não é sinônimo de esconder!
– Obrigada pela aula de língua portuguesa, amor! Mas agora, vamos logo que a sessão de cinema não nos espera!
– Pois devia, somos cinéfilos assíduos e estamos sempre comparecendo às sessões, divulgando os filmes, fazendo o tradicional boca a boca!
– Boca a boca? Gostei!
– Deixa de ser quinta série, amor... vou pegar minha bolsa.
– Não demora, porque se eu for te buscar no quarto, o cinema vai ficar pra outro dia... ahahaha...
– Ahahaha... sem comentários! :)

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