sábado, 29 de novembro de 2025

Sobre sonhos

– Será que a gente consegue viajar no próximo feriado prolongado? Eu sei que é um horror pegar a estrada lotada, mas quando a gente chega na praia é tão bom ficar contemplando o mar...

Que romântica, amor! O que foi? Tá sensível?

Eu não tô, eu sou sensível, querido!

Claro... quis dizer que hoje, neste momento, você está mais sensível que o normal.

Ah! Assim é melhor... tava aqui lembrando que adoro ficar caminhando na areia, molhando os pés na água, olhando a linha do horizonte, aqueles barcos enormes em alto mar...

Bonito... mas prefiro só olhar assim de longe. 

Ahahaha... não te critico, também prefiro só olhar... 

Mas, diga-me, o que te fez lembrar de barcos em alto mar?

– Ah! É que ontem tava lendo "O conto da ilha desconhecida" do grande...

– ... José Saramago!

– Sim! Adoramos esse português, né, amor?

– Como não amar esse Zé tão especial?

– Ahahaha... adoro!

– Então, conta...

– Pensei que íamos comentar a obra!

– Ainda não li, querida!

– Não acredito! Achei que você tinha lido quando me mostrou...

– Foi um presente pra você, amor! Não me dei o direito nem sequer de folheá-lo... queria que você lesse antes.

– Que gentileza, amor!

– É um prazer te presentear, ainda mais com livro, que a gente ama!

– Realmente, amamos! Então, vou falar o que mais gostei nesse conto de nosso querido Saramago.

– Tô curioso...

– Não vou detalhar, porque quero que você leia pra depois a gente comentar juntos!

– Beleza! Então, fala o que você mais gostou!

– Primeiro, a ironia e a genialidade de Saramago faz qualquer obra ser marcante! E esse conto narra a história de um homem que bate à porta das petições do palácio para pedir ao rei um barco que o leve à ilha desconhecida... a conversa entre eles é ótima, vou ler um trecho: "... E tu para que queres um barco, pode-se saber, foi o que o rei de facto perguntou quando finalmente se deu por instalado, com sofrível comodidade, na cadeira da mulher da limpeza, Para ir à procura da ilha desconhecida, respondeu o homem, Que ilha desconhecida, perguntou o rei disfarçando riso, como se tivesse na sua frente um louco varrido, dos que têm a mania das navegações, a quem não seria bom contrariar logo de entrada, A ilha desconhecida, repetiu o homem, Disparate, já não há ilhas desconhecidas, Quem foi que te disse, rei, que já não há ilhas desconhecidas, Estão todas nos mapas, Nos mapas só estão as ilhas conhecidas, E que ilha desconhecida é essa de que queres ir à procura, Se eu to pudesse dizer, então não seria desconhecida, A quem ouviste tu falar dela, perguntou o rei, agora mais sério, A ninguém, Nesse caso, por que teimas em dizer que ela existe, Simplesmente porque é impossível que não exista uma ilha desconhecida, E vieste aqui para me pedires um barco, Sim, vim aqui para pedir-te um barco, E tu quem és, para que eu to dê, E tu quem és, para que não mo dês, Sou o rei deste reino, e os barcos do reino pertencem-me todos..."

– E ele conseguiu o barco, amor?

– Ah! Aí você vai ter que ler!

– Que crueldade...

– Como assim? Eu te dei o prazer de me ouvir lendo um trecho lindamente escrito por nosso querido autor... foi um aperitivo...

– ... pra abrir o apetite da leitura? Parabéns, pois abriu... ahahaha...

– Ahahaha... mas não vou contar mais nada, o que posso dizer é que o conto é sobre a busca pelos sonhos e a necessidade de lutar para realizá-los... é poético, é irônico, é divertido, é profundo, é pra refletir...

– ... é Saramago! Gostei, agora, passa pra cá que quero ler!

– Sério?

– Por quê? Que carinha é essa?

– Ah! Pensei que tínhamos combinado um cineminha...

– É mesmo... quase esqueci, mas a culpa é sua que fica me tentando com boa leitura!

– Ahahaha... vai desistir? Se soubesse não tinha lido nada pra você...

– Não fala assim, adorei sua leitura enfática!

– Já vi que me lasquei, não quer mais ir ao cinema, prefere ficar lendo? O que eu posso fazer se também sou imbatível lendo em voz alta!

– Engraçadinha... claro que vamos ao cinema, mas deixa eu guardar o livro nas minhas coisas, se não você esconde...

– Não seja injusto, eu só guardo na estante depois que nós dois lemos a obra... e detalhe: guardar na estante não é sinônimo de esconder!

– Obrigada pela aula de língua portuguesa, amor! Mas agora, vamos logo que a sessão de cinema não nos espera!

– Pois devia, somos cinéfilos assíduos e estamos sempre comparecendo às sessões, divulgando os filmes, fazendo o tradicional boca a boca!

– Boca a boca? Gostei!

– Deixa de ser quinta série, amor... vou pegar minha bolsa.

– Não demora, porque se eu for te buscar no quarto, o cinema vai ficar pra outro dia... ahahaha...

– Ahahaha... sem comentários! :)

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