Coisa Phina
Um Olhar Apaixonado sobre Literatura, Cinema, Teatro, Música e Esporte!
quarta-feira, 3 de abril de 2024
O encanto criativo das HQs
sexta-feira, 12 de janeiro de 2024
Ah... o amanhecer!
segunda-feira, 8 de janeiro de 2024
A "maratona" mais charmosa das galáxias!
domingo, 17 de dezembro de 2023
Mundo particular
A varanda é sua terapia, seu refúgio. Não, ela não é do tipo alcoviteira, mas gosta de apreciar a vida acontecendo. Ali, onde suas plantas crescem plácidas, banhadas pelo Sol. Onde sua mesinha de madeira de demolição ostenta o café de todas as tardes, xícaras, bule e leiteira de porcelana de bordas douradas (comprados em leves e longas prestações), cesta de pãezinhos, bolo de baunilha, geleia de amora, manteiga, todos sobre a toalha de linho branco com pequenas flores azul-celeste.
Ela gosta de parar alguns instantes para admirar as pequenas flores na toalha porque a cor azul-celeste a faz lembrar dos versos de uma doce canção que diz: “vi seu olhar, seu olhar de festa, de farol de moto, azul-celeste, me ganhou no ato, uma carona pra Lua”, de Eduardo Dusek. O nome da música é Aventura e ela adora desde sempre, mesmo que, ultimamente, esteja se aventurando apenas em pensamento. Fica cantando timidamente até ser interrompida pelos pássaros, que visitam sua varanda atrás das migalhas de pão e de bolo, ou, então, pelo latido agudo e olhar urgente de sua cadelinha.
Assim é seu cantinho na metrópole, é ali que ela reflete ou, simplesmente, celebra a beleza da natureza, das pessoas e das coisas da vida, pelo menos à distância… rsrsrs… porque de perto, na intimidade, como dizia sua avó, são outros quinhentos. De repente, uma brisa quente invade a tarde, anúncio de chuva, mas pra depois, porque, neste momento, o céu continua azul como as flores bordadas no linho e a letra da canção. Agora, está na hora de saborear os quitutes que a esperam pacientemente na mesa posta.
Ela começa pelo bolo de baunilha, uma receita de sua tataravó. Pois é, a maioria das pessoas mal sabe quem foi a bisavó, imagine tataravó, mas ela é privilegiada. Inclusive, tem fotos no colo da bisavó, ainda que não lembre exatamente a sensação de aconchego que aquela imagem passa quando admira o registro de família. Voltando ao bolo, é um segredo guardado a sete chaves e ela, assim como todos parentes, só teve acesso à receita e permissão para efetivamente fazer o acepipe quando completou a maioridade. A coisa é séria, mas é assim, “o importante é o que importa, só dê valor ao que realmente vale a pena”, já dizia sua avó.
O chá é o acompanhamento ideal para o bolo, aconselhado, inclusive, na observação no rodapé da receita original, mas ela prefere saboreá-lo com uma xícara de café com leite, isso longe de olhos que possam provocar qualquer arranca-rabo com a família. Até sente um arrepio quando pensa na possibilidade da tia mais velha flagrá-la cometendo esse pecado. Então, abre um sorriso e suspira de alívio, afinal, está em seu mundo particular, ali tudo que dá prazer é permitido.
A primeira mordida, como sempre acontece, dispara uma sensação de alegria, como se revivesse todas as aventuras da infância e da adolescência, quando se reuniam em datas comemorativas ou, simplesmente, para saborear o patrimônio culinário da família. Esse bolo tem magia, com ele, as lembranças são sempre boas, remete a momentos de descontração e total aceitação, é como se fosse um carinhoso abraço coletivo.
Seus pensamentos sabor baunilha só são interrompidos pela visão da cesta de pães… que delícia! Ela termina de comer a fatia de bolo e escolhe delicadamente um dos pãezinhos. Passa a manteiga como se estivesse esticando o lençol na cama, até que toda a superfície esteja besuntada. Mais um pouco de café com leite e sua memória volta a sorrir. Ela gosta de reviver suas lembranças nos mínimos detalhes. Porque a vida se faz nos detalhes, o bom da vida está nos detalhes, em momentos que se fazem inesquecíveis.
Geleia de amora. Esta tem história. Produção própria. Sim, ela também tem seus segredos. Só que, nesse caso, não cede a receita de jeito nenhum. Quando alguém elogia o sabor de seu doce, ela logo corre à despensa e presenteia a pessoa com um potinho. Faz isso, principalmente, para pessoas queridas. Que fique claro, nem todos merecem ser brindados com seus potes recheados de amor, mas, especialmente, quem acaricia seu coração. Outro dia, o felizardo foi o jardineiro do prédio, que quinzenalmente cuida das plantas de sua varanda. Ficou tão encantado com a cor e o sabor da geleia, que ela resolveu presenteá-lo com um potinho. O sorriso de agradecimento dele valeu o dia.
Satisfeita, ela tira a mesa e volta ao seu cantinho. É hora de descansar na querida cadeira, repleta de almofadas, pra observar o movimento ao redor. Os passarinhos sempre chamam sua atenção, quando pousam sorrateiros, procurando migalhas que ela possa ter esquecido pelo chão. Ah! Se eles soubessem que ela não esquece, mas, na verdade, deixa restinhos bem discretos de bolo e pão espalhados pelo peitoril e, em instantes, os primeiros começam a chegar, sabiá laranjeira, bem-te-vi, entre outros. Em seguida, quando, satisfeitos, eles voam para longe, aparece o beija-flor, para quem ela prepara, diariamente, com todo o carinho, uma garrafinha de água com açúcar.
Quando a avezinha termina seu balé em volta do bebedouro, dá dois voos ao redor da generosa humana, pois sabe, sem modéstia, que ela se encanta com sua beleza e também em agradecimento a quem patrocina seu lanchinho diariamente. Assim que o beija-flor se afasta da varanda, a campainha toca. Pronto, é hora de deixar seu mundinho particular. Ela se levanta calmamente e é seguida pela cachorrinha de olhos redondos e laços de fita, que se manteve satisfeita sentadinha esse tempo todo ao lado da dona. :)
*A ilustração é da @ilustralika (designer, ilustradora e minha afilhada/sobrinha/parceira)
sexta-feira, 27 de outubro de 2023
Banana à milanesa
Dia frio
– A minha eu tenho certeza, mas a sua, realmente, sei lá!
– Que irritante sua mania de dizer sei lá pra tudo.
– Pra quase tudo!
– Tá bom. Voltando à tentativa de diálogo... sabe qual minha vontade nesse dia tão frio?
– Vou chutar...
– À vontade!
– Tomar um sorvete daqueles com calda de chocolate quente, castanhas grosseiramente picadas e espalhadas por toda a enorme taça, com suspiros partidos, um pouquinho de farofa... hummm...
– Caramba! Deu até calor de tanta coisa... você não tem vergonha de pensar que eu escolheria comer tudo isso de uma só vez? Principalmente, em se tratando de uma sobremesa? Açúcar, gorduras...
– Como você é estraga prazer. Só exagerei um pouquinho, talvez uma tradicional banana split fosse o suficiente!
– Uma inofensiva banana split... sei.
– Tudo certo. Vamos lá... então, qual sua maior vontade nesse dia frio?
– Depois de sua taça recheada de tanta infantilidade, acredito que minha vontade não vai ser interessante pra você.
– E desde quando sua vontade deve ser interessante pra mim?
– Como assim?
– Calma, não foi isso que eu quis dizer.
– Então, o que você quis dizer?
– Eu quis dizer que sua vontade deve ser respeitada, só isso. Coisa que você não faz, não respeitou nem minha sugestão de mergulhar em uma taça de guloseimas pra aplacar a preguiça que o dia frio está me provocando.
– Eu respeito sua vontade, só acho que um dia assim preguiçoso deve ser melhor aproveitado...
– Ah! Falou a criatura mais sensata do planeta.
– Agora, tô quase perdendo a vontade...
– Por favor, antes disso, diga: qual sua maior vontade nesse dia tão frio?
– De me aconchegar em você a tarde inteira.
– Emocionei, amor! Vem pra cá! :)
Fécula de batata
– O quê?
– O negócio é fazer o nhoque com fécula de batata!
– Eu entendi a frase, não entendi a razão de dizer isso agora, durante o café da manhã!
– Ah! Ouvi um cara gritando isso ontem...
– Gritando? Aonde?
– Nas esteiras rolantes. As pessoas, assim como eu, com pressa, indo comprar coisas necessárias, depois de um dia de trabalho, aí, de repente, surge um cara todo esquisito, gesticulando, e gritando detalhes da receita, dizendo que tinha de ser saudável!
– Era maluco?
– Sei lá... vai ver foi chef de cozinha e tava tentando passar sua sabedoria culinária para o mundo!
– Ahahaha... pegou a receita?
– Eu não, me concentrei pra não chamar a atenção do cara, até andei cabisbaixa, não quis olhar muito na direção dele, sei lá, podia cismar comigo, eu, hein!
– Ahahaha... se eu estivesse lá, ia perguntar por que é melhor com fécula de batata.
– Ah, tá bom! Até parece que você ia interagir com um descompensado.
– Que crueldade! Como você sabe que o cara é descompensado?
– Oras, pelo jeito dele! Fora do comum, os gestos muito amplos, não conversava com ninguém, gritava sozinho. E todos nós tentávamos manter a compostura pra que a situação não saísse completamente do limite.
– Nossa, que discurso! Será que esquisitice pega?
– Ahahaha... seu bobo!
– Mas como essa história acabou?
– Ah! Foi cada um para seu lado. Eu, por exemplo, entrei na loja que precisava, enquanto o cara desceu as esteiras rolantes, provavelmente, gritando sobre as vantagens da fécula de batata até que, talvez, algum segurança o convencesse, pelo menos, a falar mais baixo. Espero que não tenha sido maltratado.
– Que bom! Um pouco de sensibilidade e compaixão humana ainda habita seu ser!
– Por acaso, você está querendo dizer que sou insensível na maior parte do tempo?
– Longe de mim, amor, dizer que você é insensível na maior parte do tempo... não é mesmo, mas o problema é que na menor parte do tempo, a coisa costuma ficar tensa... ahahaha...
– Bobo.
– Cara de melão!
– Para com isso, tô ficando nervosa!
– Não vale a pena... te amo! :)