quarta-feira, 27 de novembro de 2019

O perigoso mundo da Literatura

Então, ele entrou na livraria e deu de cara com seu autor preferido. O homem, alto e tímido, tentava se esconder da fama entre os livros, quando quase foi abraçado pelo leitor.

– Desculpe, mas admiro demais o senhor! Pode me dar um autógrafo? 

O escritor tira uma caneta do bolso. 

– Claro... você tem papel? 

– Tenho algo melhor! Trago sempre comigo seu primeiro livro, publicado há mais de 20 anos... está meio castigado, mas definitivamente é um dos meus prediletos! 

– Nossa! Fico lisonjeado... 

– Lisonjeado! É demais... por isso, sou seu fã incondicional! Você é extraordinário! 

– Não exagere... existem muitos escritores melhores do que eu. 

– Eu não acho! Pra mim, tu és o melhor! 

Constrangido, o escritor pega o livro para fazer a dedicatória, enquanto o leitor observa encantado. 

– Pronto! Espero que goste. 

O leitor pega o livro com as mãos trêmulas e quando lê fica tão emocionado que não segura as lágrimas. O escritor fica sem ação. 

– Posso tirar uma foto com você meu exemplar histórico, agora autografado? 

Tentando disfarçar a falta de vontade, o escritor responde que sim. Depois de tirar uma selfie desajeitada e rindo quase que descontroladamente, o leitor olha ao redor e vê um homem, no mínimo suspeito, na porta da livraria. Quando pede ao tal sujeito que tire uma foto dos dois, está tão animado que nem percebe que o escritor tenta impedi-lo. 

O homem se aproxima calmamente. Com um sorriso enigmático, pega o celular e quando autor e fã fazem a posa mais tensa que já se viu, pelo menos por parte do escritor, o homem vira rapidamente e começa a correr. Mas antes que consiga chegar à porta, o leitor ensandecido olha para uma pilha de livros ao lado e, sem pensar, joga uma edição luxuosa de Os Lusíadas e acerta em cheio a cabeça do homem, que cai desacordado. 

O dono da livraria grita horrorizado. 

– O que você fez, seu aloprado? 

– Ele ia roubar meu celular e, pior que tudo, a foto que acabei de tirar com meu escritor preferido! Eu sei que estava meio tremida, mas é o primeiro registro que consegui em anos de tentativa. 

– E precisava ter jogado essa edição dos Lusíadas? É o xodó da loja... chegou há pouco. 

– Não se preocupe, eu pago o prejuízo... 

Enquanto leitor e livreiro discutem os termos para o pagamento do prejuízo materialAbalado, o escritor continua parado, indignado com a cena. O homem que tentou roubar o celular continua desacordado, caído do lado de dentro da loja. 

– Parem de discutir! Tem coisa mais importante com que nos preocupar! Você feriu esse homem. Chamem uma ambulância! 

Os dois param de falar e olham incomodados para o escritor, quase em pânico. 

– Nada é mais importante que minha edição de luxo de Os Lusíadas! 

– Nada é mais importante que meu escritor preferido e suas obras fantásticas! E, mais do que isso, faço tudo para proteger a foto que tirei com o autor de obras fantásticas! 

Desorientado, o escritor sai da livraria no momento em que chega a ambulância. A calçada, sempre pacata, está tomada de curiosos que se aglomeram para saber o que aconteceu. 

– Esse mundo está um perigo, não se pode nem ir a uma livraria! 

– Eu ouvi que o cara ia roubar um exemplar dos Lusíadas! 

– Não, Os Lusíadas foi a arma utilizada para acertar o canalha! 

Neste instante, um mendigo se aproxima do tumulto, com dois livros embaixo do braço. Ele olha para o homem caído na entrada da livraria e o reconhece, vira para as pessoas e diz solenemente. 

– Eu disse tantas vezes que a falta de leitura ainda ia matá-lo... ah, mas pelo menos, foi com um clássico! 

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