– Modéstia à parte, olha que coisa mais linda essa foto!
– Parabéns, minha fotógrafa!
– Isso é sincero ou contém ironia?
– Claro que é sincero, já te elogiei inúmeras vezes... por que a surpresa?
– Sei lá... às vezes te mostro uma foto e você nem olha direito...
– Injusta você, hein? Sempre admirei suas habilidades fotográficas!
– É verdade, é que eu não esperava uma reação tão efusiva quando mostrei a visão da janela com a serra ao fundo, poderosa, mostrando quem manda nessa bagaça desse mundo!
– Exagerada!
– Como exagerada? Por acaso, você não acha que a natureza é quem manda nessa porra toda?
– Calma, amor! Claro que concordo... mas vamos mudar de assunto? Que tal um cineminha pra alegrar nossa tarde?
– Boa ideia...
– Assim você relaxa...
– Depende...
– Lembre-se que hoje você é quem escolhe o filme!
– É mesmo!
– Então que cara é essa?
– Lembrei de uma coisa que me irrita...
– Só de uma? Pois eu lembro de várias coisas que te irritam... ahahaha
– Engraçadinho!
– Desculpa, amor, mas é que você me dá subsídios pra te aloprar... fazer o quê?
– Ah! Você vai continuar me ironizando?
– Não, prometo!
– Como estou magnânima hoje e sem a menor disposição pra discutir, vou me trocar para irmos ao bendito cinema!
– Não sem antes me dizer por que você fez aquela cara de irritação quando te convidei para um cineminha!
– Ah! É que tem coisas que me irritam...
– Agora acredito, coisas que te irritam, no plural... uma só, não tava acreditando muito...
– Vou pegar minha bolsa, nem vou me trocar mais...
– Tá bom, vamos suados mesmo...
– Ahahaha... bobo!
– Então, fala o que te aflige...
– Tá bom... o fato é que tenho saudade de quando ia ao cinema e tinha fila na bilheteria... de ouvir as conversas aleatórias e montar uma colcha de retalhos com as histórias. Quando chegava ao guichê, escolhia a poltrona e comprava o ingresso, importante dizer que fazíamos tudo isso interagindo com o atendente sempre solícito. Depois, a fila da pipoca e, em seguida, a fila pra entrar na sala de exibição... e mais trechos de conversas aqui e ali. Hoje, a gente chega na bilheteria, que até tem um atendente, mas desanimado e só pra apontar a bendita tela de autoatendimento. Que chatice! Sem nenhum glamour, você dá alguns cliques, paga, seja pelo cartão ou pelo famigerado pix, e a maquininha expele um tíquete frágil que será levemente rasgado pela moça que fica na porta da sala controlando a entrada... lamentável! Gosto da sutileza das relações humanas, da conversa com os atendentes. Incrível como tudo está cada dia mais mecanizado, não há interação e o mais triste é que as pessoas nem querem interagir mesmo, preferem ficar corcundas com os olhos pregados na tela do celular e de fones de ouvido, enquanto aguardam a sessão, ignorando o mundo à sua volta. Isso me entristece.
– Concordo com tudo que você falou, amor! Mas não fique assim chateada, admirar o mundo à nossa volta é pra poucos!
– Ainda bem que você me entende, amor! E ainda bem que a gente sabe admirar o que importa.
– Então vamos fazer uma coisa... em vez do cinema, vamos ficar aqui admirando a bela paisagem da sua foto!
– Ah! Mas você queria ir ao cinema e eu fiquei só desabafando...
– Ouvir seus desabafos é meu programa preferido!
– Também te amo! :)
* A foto que ilustra esta crônica foi feita da janela do consultório de minha médica preferida... 😉
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