quarta-feira, 29 de outubro de 2025

Encontro especial

Olhando as gotas de chuva escorrendo pela janela, Antoine lembra quando conheceu Blanche. Foi num dia chuvoso como hoje, há quase uma década, em uma charmosa rua da capital francesa.

Naquela tarde, a chuva fina e fria deixava o dia introspectivo, ainda assim, Antoine decide fazer seu passeio diário. Sobretudo, cachecol e guarda-chuva, ele sai pelas ruas de Paris. Desde criança, sempre gostou de sair na chuva, inclusive, adorava brincar pulando nas poças para espalhar a água ou dançar imitando Gene Kelly no famoso filme de Hollywood. Porém, agora, só se permite andar calmamente ouvindo o alegre tamborilar dos pingos no guarda-chuva, o que considera um enorme prazer.

Quando dobra a esquina, Antoine se depara com uma rua quase vazia, a não ser pela presença delicada de uma senhora muito elegante, mas nada previdente... está sem guarda-chuva... será que está desorientada?

Ora, Antoine, que exagero... desorientada! Vai ver é apenas uma mulher que não se preocupa com convenções, afinal, tomar chuva não é uma contravenção, mas pode ser considerada contraindicada para pessoas com problemas respiratórios que, obviamente, devem evitar as mudanças bruscas de temperatura.

Assim de longe, ela parece bonita e, pelo que percebo, está olhando pra mim... o que será que está pensando? Será que estou bem vestido para a ocasião? Que ocasião, Antoine? Olha o exagero de novo, concentre-se no passeio. Mas que essa senhora está olhando pra mim está. Ela tem um cabelo bonito... e esse casaco de poá lhe cai muito bem!

Não sei se atravesso a rua, sei lá, pode pensar que estou flertando e se ofender. Vou ficar mais um pouco, quem sabe ela dá o primeiro passo... chato é ficar aqui de guarda-chuva vendo uma dama desprotegida.

Do outro lado da rua, Blanche parece irritada... adora dias chuvosos, mas, foi surpreendida... não acredita que esqueceu de pegar o guarda-chuva! Olhando indignada para o céu, se pergunta: Como assim? O dia nasceu tão limpo!

Parada na calçada, ela sente os pingos escorrerem pelos cabelos e, aos poucos, serem represados no cachecol, mesmo assim não perde a elegância! Sorte que a chuva é fina, basta apenas ser ágil e correr até a cafeteria mais próxima. Uma boa xícara de café sempre resolve os problemas, pelo menos, os mais simples como ser pega desprevenida por uma chuva que não avisou que cairia.

Só quando olha para frente, Blanche vê um homem, de guarda-chuva, do outro lado da rua... este é prevenido! Aposto que é organizado... se veste bem, gostei do cachecol. Ah! Por favor, não romantize a cena, é apenas um senhor se preparando para atravessar a rua. Mas é elegante!

Quanto tempo será que estou parada nesta esquina? Parece que estou enraizada nesta calçada! Qual o problema, Blanche? Talvez o problema seja estar sempre esperando que um herói venha me salvar... mesmo que o perigo seja apenas pegar um resfriado... rsrsrs... Por que estou falando de herói? Que coisa mais sem pé nem cabeça! Bem que ele poderia ser cavalheiro, vir ao meu encontro e me proteger da chuva... olha aí, de novo, divagando como uma adolescente.

Decididos, começam a atravessar a rua... passos lentos e olhos pregados um no outro, como se estivessem conectados por um ímã. Antoine traz um sorriso tímido estampado no rosto e Blance, um brilho discreto no olhar!

No meio da rua, estendem a mão para um cumprimento formal. Boa tarde, sou Antoine! Boa tarde, meu nome é Blanche! Posso lhe dar uma carona em meu guarda-chuva? Claro, seria um prazer. Estava pensando em tomar um café, posso convidá-la? Incrível, pensei nisso logo que parei naquela esquina... se puder me acompanhar, Antoine, vou adorar! Estou aqui para isso, Blanche!

De repente, ele dá um salto da poltrona como se acordasse de um sonho... Blanche está na sua frente com uma bandeja na mão. Fiz café... você estava dormindo? Não, querida, estava lembrando. Ah! Com essa chuvinha, já sei o que estava lembrando: de nosso encontro em Paris! Antoine dá uma piscadela e começa a arrumar espaço na mesa para a bandeja do café. Você pode me ajudar, cortando o bolo, querido? Claro, Blanche... continuo aqui para isso! :)


* A foto que ilustra essa romântica crônica é de minha autoria, como meus personagens, também adoro ouvir o barulhinho da chuva e admirar as gotas d'água escorrendo pelo vidro da minha janela! ❤️  

sábado, 25 de outubro de 2025

Uma obra inquietante

Ler Fiódor Dostoiévski é um desafio, muitos nem se atrevem... rsrsrs... Confesso que só tinha lido "Noites Brancas", mas sempre olhei com curiosidade para a obra-prima do escritor russo.

Orientada por meu irmão Gerson (leitor assíduo e contumaz, além de historiador), resolvi deixar para me jogar em "Crime e Castigo" posteriormente, mas pra ir me preparando, ele me presenteou com "O Sósia", uma leitura inquietante e envolvente. 

De cara, o prefácio, assinado por Oleg Almeida, mostrou um paralelo do autor com Nikolai Gógol, de quem tenho "Teatro Completo", que me foi indicado pelo meu saudoso irmão Geraldão! Aí me conquistou fraternalmente em dobro...rsrsrs... Almeida explica que "se não houvesse Gógol, tampouco haveria Dostoiévski, seu aluno e sucessor; por outro lado, se Gógol se mostrou, ao longo de toda a sua vida, afeito ao fabuloso, antevendo, ou melhor, antecipando o realismo mágico dos nossos dias, Dostoiévski deu um largo passo em direção à moderna prosa realista de cunho psicológico, que ainda estava aberta a toda espécie de manifestações extraordinárias, porém já excluía a visão folclórica, mitológica ou supersticiosa destas para explicá-las com base no conhecimento positivo dos processos naturais. Digamos que, mesmo sem serem sósias perfeitos, Gógol e Dostoiévski equivaliam às duas faces da mesma medalha, completando-se e harmonizando-se na perfeição sinérgica de sua arte." 

Como podem ver, gostei desde o prefácio... rsrsrs... Mas vamos à obra, propriamente, dita! A narrativa começa com o Yákov Petróvitch Goliádkin acordando de um sono prolongado e a descrição que o autor faz de suas sensações é de uma riqueza que encanta e surpreende. 

Adoro esse trecho: "Olhavam para ele, de modo familiar, as paredes de seu quartinho, fuliginosas e empoeiradas, cuja cor esverdeada parecia um tanto suja, sua cômoda de mogno, suas cadeiras de certa madeira a imitar o mogno, sua mesa pintada de tinta vermelha, seu sofá turco, revestido de oleado avermelhado com florezinhas verdinhas, e, finalmente, suas roupas tiradas às pressas, na véspera, todas amassadas largadas sobre o sofá. Por fim,  dia outonal , cinzento turvo e sujo como era, olhava para dentro de seu quarto através de uma janela embaçada, tão sombrio e com um esgar tão azedo que o senhor Goliádkin não podia mais, de jeito nenhum, duvidar de que não estava num reino de berliques e berloques qualquer e, sim, na cidade de Petersburgo, na capital, na rua Chestilávotchnaia, no terceiro andar de um prédio de alvenaria, bastante grande, em seu próprio apartamento. Ao fazer tal descoberta importante, o senhor Goliádkin fechou espasmodicamente os olhos, como se estivesse lamentando seu sono recente e querendo reavê-lo por um minutinho."

Logo na primeira página, o protagonista me conquistou e aguçou minha curiosidade para conhecer seu mundo e suas sensações. E desde o início, o senhor Goliádkin já se mostra uma pessoa levemente atormentada... rsrsrs... nada que não tenha se agravado a partir do momento em que entra na história seu tal sósia, que o atormenta, ao longo das páginas, deixando-o  em um estado de abandono e ansiedade que só mesmo um gênio da Literatura para criar uma narrativa com tamanha tensão psicológica. Confesso que me afeiçoei ao senhor Goliádkin e torci por ele até a última linha.

Gosto de como Dostoiévski cria Goliádkin, um misto de ingênuo, inseguro, irônico e, acima de tudo, resiliente (olha eu lançando mão de uma palavra que tá na moda... rsrsrs)... porque por mais que ele estivesse enfrentando uma situação horrorosa e, por vezes, sem saída, ele sempre pensava: "Não é nada... tudo isso ainda pode muito bem melhorar". Como não torcer por um cidadão assim?

O autor sabe fazer crítica social e política sem deixar de se valer do humor para mostrar as fraquezas e vilanias humanas. Aplausos para a genialidade de Dostoiévski! :)

quarta-feira, 22 de outubro de 2025

Banca de jornal, HQs e desenhos animados

Estava eu voltando do mercado e resolvi passar na banca de jornal! Ah! Que saudade de quando as bancas de jornal tinham tudo que a gente precisava... rsrsrs... revistas de todos os tipos, histórias em quadrinhos, álbuns de figurinhas e, obviamente, jornais. 

Banca de jornal era sinônimo de alegria! Hoje, a maioria delas tenta se manter vendendo de um tudo e entre os diversos produtos expostos, de vez em quando, conseguimos encontrar algumas revistas, hqs e o velho e bom jornal... quer dizer, mais ou menos, nem o tamanho é mais o mesmo e o conteúdo... melhor mudar de assunto!

A banca de jornal em questão ainda parece as antigas, entrei e comecei a olhar as hqs. Sabe aqueles dias em que você quer ler alguma coisa que te transporte para um mundo menos hostil do que o que estamos enfrentando? Então, entrei decidida a encontrar um gibi barato, que me divertisse, provocasse risos e aquela sensação leve que só os desenhos animados de décadas atrás conseguiam!

Pois é... entre tantas histórias em quadrinhos, descobri uma de "Os Flintstones" e outra de "Os Jetsons"! Com um precinho legal, nem cheguei a titubear, comprei uma revisitinha de cada! E o mais legal é que quando fui pagar, o jornaleiro disse: "Ah! Tá com saudades dos desenhos animados que a gente via?" Ao que respondi, sorrindo: "é mesmo, eu assitia todos esses, adorava"... e ele retrucou, animado: "eu também passava horas assistindo esses e outros tantos desenhos na TV"!

Saí de lá satisfeita com minhas aquisições, cheguei em casa, li as duas revistinhas de uma vez, rindo e lembrando que, quando criança, a gente brincava no quintal o dia inteiro, depois tomava banho e ia assistir na TV esses maravilhosos e eternos desenhos animados, criados por William Hanna e Joseph Barbera! Queridos por gerações e gerações!

Ah! Com uma simplicidade genial, essas HQs trouxeram de volta o sorriso da Gi pequenininha, que adorava assistir desenhos animados com Fred, Wilma, Pedrita, Dino, Barney, Betty, Bambam, George, Jane, Judy, Elroy, Astro, Rosie... e outros, como Pernalonga, Patolino, Gaguinho... personagens adoráveis que inundam de alegria nossa memória afetiva! Aplausos para a dupla Hanna/Barbera que nos inspirou na infância e continua nos inspirando! Viva os desenhos animados! Viva as histórias em quadrinhos! :)

sábado, 18 de outubro de 2025

A saga dos primos fofos e aventureiros

"Bone", do norte-americano Jeff Smith, publicada originalmente de 1991 a 2004, é uma das séries mais celebradas no mundo das HQs. Quando vi na internet alguém falando que era uma leitura imprescindível para quem adora quadrinhos, fiquei muito curiosa e me animei só de ver a capa!

Combinei comigo mesma de comprar o primeiro volume só para conhecer a obra! Que ingenuidade! Não teve jeito, os primos Bone: Fone, Phoney e Smiley me conquistaram na hora e tive de me virar e comprar o segundo e o terceiro volumes! Uau! Que aventura!

A saga das criaturinhas Bone começa quando, por causa dos golpes de Phoney, os três primos são expulsos de sua terra natal, Boneville! A narrativa é divertida, emocionante e cheia de reviravoltas, que prendem a atenção!

Fone Bone, nosso herói, está sempre querendo ajudar, principalmente, Espinho, por quem se encanta, soltando coraçõezinhos toda a vez que conversa com a garota! Phoney Bone é o espertinho que vive aplicando golpes, e Smiley Bone, o mais alegre, sempre sorridente, inclusive, nas situações mais adversas e é tão bom que resolve cuidar de uma ratazana bebê... aff... haja amor... ahahaha... 

Os personagens são muito bem construídos, sejam protagonistas ou coadjuvantes, são todos decisivos, entre eles, destaco a garota Espinho, a Vovó Ben, o Grande Dragão Vermelho, Lucius, dono da taverna e seus frequentadores, o besouro Ted, as duas ratazanas atrapalhadas.

Ao longo dos três volumes, a criatividade do autor e sua arte minuciosa e vibrante encantam! Só por ser estilo cartum, Bone já me conquistou! Com seus personagens solares e, ao mesmo tempo, destemidos, que enfrentam desafios nos moldes de "O senhor dos anéis", não há como não concordar que ele figura entre os melhores quadrinhos já criados!

Outro detalhe que me animou a querer conferir a saga toda, é um texto assinado pelo autor, publicado no primeiro volume, em que Smith fala de como entrou em contato, em 1986, com a graphic novel "Maus", de Art Spiegelman, passou a frequentar lojas de HQs e descobriu um mundo novo de quadrinistas que escreviam e desenhavam seus próprios personagens. A partir daí, decidiu que o que queria era desenhar Bone (seu personagem criado ainda na infância), ser um quadrinista underground e participar daquela nova e empolgante cena que acabava de conhecer.

Bone foi publicada originalmente em P&B, inspirada em "Maus", mas Smith conta que o próprio Spiegelman o convenceu a republicar os livros em cores. Gostei tanto do trecho que coloco, a seguir, entre aspas. "Se 'Maus' é em preto e branco, perguntei a ele, por que 'Bone' deveria ser colorida? A resposta de Art foi: 'Maus' trata da guerra e do holocausto, tinha que ser em preto e branco. Mas 'Bone' trata da vida, e não estará terminada até sair colorida".
 
Uau! Uma opinião dessas não tem como não levar em conta! É exatamente isso, as cores são um toque a mais que fortalece, ressalta os cenários cheios de detalhes e dá mais brilho à saga dos primos Bone! Até gostaria de falar mais sobre cada um dos volumes, mas prefiro apenas aguçar a curiosidade de quem ainda não se rendeu a essas criaturinhas doces e divertidas! Viva a criatividade de quadrinistas mundo afora! Salve a Nona Arte! :)

quarta-feira, 15 de outubro de 2025

Arte impecável

Com o prêmio Eisner 2025 de Melhor Desenhista/Arte-Finalista para a quadrinista brasileira Bilquis Evely, "Helen de Wyndhorn" encanta, principalmente, pela arte que nos faz mergulhar nas aventuras da protagonista por um mundo cheio de magia.

A grapic novel, que tem roteiro do norte-americano Tom King, arte impecável de nossa premiada Bilquis e colorização do também talentoso brasileiro Matheus Lopes, conta a história de Helen que depois de perder o pai, um renomado escritor de fantasia, vai morar na mansão do avô, Barnabas Cole, um homem misterioso e, aparentemente, frio.


A HQ é uma fascinante mistura de épico e gótico que, como diz a sinopse, combina a bravura de "Conan, o Bárbaro" com o encantamento de "O Mágico de Oz". Sim, é tudo isso e um pouco mais, porque a narrativa trata ainda de questões humanas, como relacionamento familiar, perdas, inseguranças, temas que despertam o leitor a refletir para além da própria história.

Não vou contar mais, pois prefiro que cada um tenha sua experiência de leitura... mas preciso reiterar que, sinceramente, o que mais encanta nesta obra é a arte. Bilquis, com seu traço fino e delicado, faz de cada quadro, cada página, uma obra de arte deslumbrante. 
A quadrinista paulista é um talento e nos enche de orgulho também por ser a primeira brasileira a vencer o "Oscar dos quadrinhos"! Aplausos à nossa ilustradora! Viva a nona arte! :)

sábado, 11 de outubro de 2025

Inocência feliz

Como diz a canção, há uma menina, há uma moleca morando sempre no meu coração... mas não é só quando a adulta aqui balança que ela vem pra me dar mão. Na verdade, a Gi pequena está comigo o tempo todo, tornando a vida muito mais leve e divertida!

Aproveitando que amanhã é Dia das Crianças e Dia de Nossa Senhora Aparecida, lembrei de uma história engraçada de quando eu tinha sete anos (foto) e fomos à Aparecida pagar uma promessa de minha mãe, que não vem ao caso aqui... mas que, enfim, nos levou a uma viagem bate e volta à Basílica para cortar meus cabelos.

Foi uma correria e quando estávamos todos no carro, minha mãe percebeu que tinha esquecido a tesoura e mandou que eu, a dona do cabelo a ser cortado, fosse correndo pegar. Mais tarde, chegamos em Aparecida, minha mãe fez uma trança nos meus cabelos em frente à imagem de Nossa Senhora... tudo transcorria conforme o planejado até que ela pediu ao meu irmão que cortasse a trança. Quando pegou a tesoura na sacola, ela levou o maior susto, eu tinha pegado a tesoura de frango... ahahaha... na hora, meu irmão não se segurou e riu e eu, sinceramente, não vi problema nenhum na tesoura vermelha e pouco discreta!

Como minha mãe era muito devota de Nossa Senhora Aparecida e o momento era solene, a bronca só veio depois... e assim mesmo foi suave... ahahaha... afinal, no fim das contas o cabelo havia sido cortado e acredito que, com todo respeito, Nossa Senhora nem deve ter se surpreendido, já conhecia sua pequena devota aqui...rsrsrs...

Ah! Gosto de lembrar da infância, porque por mais dificuldades que tivéssemos, sempre arrumávamos um jeito de rir das situações e é isso que torna as coisas mais fáceis de enfrentar, que nos ajudam a escrever nossas histórias, a criar nossas memórias afetivas e nos tornam mais humanos!

Toda a vez que estou numa situação desconfortável ou passando por um problema qualquer, típico de adultos, lanço mão de minha versão mirim e tudo se resolve, de um jeito ou de outro, a Gi menina/moleca não falha, ela sempre tem a solução pra Gi adulta enfrentar a porra toda... ahahaha...

Essa crônica é uma singela homenagem à beleza de se manter o sorriso infantil e valorizar a criança que temos dentro da gente! Salve Nossa Senhora Aparecida! :)

quarta-feira, 8 de outubro de 2025

Uma obra instigante

"Meio sol amarelo", da escritora nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie, é uma leitura encantadora, ao mesmo tempo, densa e, profundamente, humana. A história se passa na década de 1960, quando a recém-indepentente Nigéria embarca em uma violenta guerra que dividiu o país com a tentativa frustrada de criação da República Independente de Biafra, deixando milhares de mortos.

O mais instigante do livro é que a autora não narra a guerra propriamente dita, mas como as pessoas lidam com o conflito e suas consequências, num embate entre realidade e ideologia. Os personagens são cativantes e cheios de nuances, cada um a seu modo, seguem equilibrando sonhos e angústias. Desde as primeiras páginas, somos convidados a acompanhar a trajetória de Ugwu, Olanna e Richard. 

Ugwu é um camponês ingênuo e extremamente leal, que trabalha na casa do revolucionário Odenigbo, professor da Universidade de Nzukka, que vive com Olanna, moça da alta sociedade que, para desespero da família, resolve ser professora universitária. Richard é um jornalista inglês, estudioso da arte local e aspirante a escritor, que se apaixona por Kainene, irmã gêmea de Olanna.

Primeiro livro que leio da autora, considero a obra um banho de realidade e um certeiro exemplo de como é bela a arte da escrita! Aplausos para Chimamanda! Viva as escritoras! :)

sábado, 4 de outubro de 2025

Conversa de flor

– Ah! Adoro esse início da nossa estação! As coisas parece que ficam mais iluminadas...

– Claro que ficam mais iluminadas... elas recebem mais incidência do Sol!

– Não seja tão prática... gosto do lado romântico da coisa toda!

– Ih! Lá vem a derretida! Por acaso, você não acha a Mãe Natureza linda em todas as estações?

– Não falei isso... sei que cada fase tem seus encantos, mas a Primavera é diferente pra nós flores... você não acha?

– Sei lá! A verdade é que tem flores em qualquer estação.

– Tudo bem, rabugenta! Vamos fazer o seguinte: fique aí com suas opiniões certeiras, que eu prefiro ficar com meu olhar mais atento pras belezas à nossa volta!

– Não precisa falar assim comigo, somos flores irmãs, do mesmo galho. Sei exatamente o que você sente e concordo sobre as belezas... Só fico preocupada com os seres humanos que, muitas vezes, dizem nos amar e, por egoísmo, nos arrancam da vida sem nem um pingo de remorso!

– Sei disso, irmã! Só não quero que se preocupe tanto, afinal, eles acham que dominam tudo mesmo. Só espero que um dia acordem pro fato de serem parte do Planeta e não donos!

– Uhuuuuuu! Gostei de ver a consciência, irmã romântica!

– Ahahaha... deixe de ser realista por alguns instantes e sinta o Astro-rei nos inundando de calor!

– Olha, lá! Tô falando... vem vindo um casalzinho de mãos dadas. Espero que o rapaz não queira ser o herói e nos arrancar do galho só pra agradar a moça!

– Não! Acho que o amor deixa as pessoas mais doces... 

– Vou tentar ser menos cética, mas com relação ao ser humano é sempre difícil!

– Vamos apostar! Pra mim, os dois estão tão bem juntos que só há espaço para beleza! E o ato de arrancar flores de seus galhos não me parece nada belo.

– Concordo! Mas vamos apostar o quê?

– Aposto que os dois vão se encantar conosco... branquinhas em meio às folhas verdes, iluminadas pelo Sol...

– Resuma a história... eles estão se aproximando!

– Está bem! Aposto que eles vão nos adorar e até tirar foto com a gente!

– Mania abominável de fotografar tudo o tempo todo! Está bem! Se você ganhar, resolvemos o que fazer depois...

– Combinado!

O casal chega perto da árvore e abre um sorriso! Uau! Que lindas flores! Quando o rapaz estica a mão como se fosse apanhá-las, a moça segura seu braço e dá uma piscada!

– Por favor, não arranque as florzinhas, quero que elas sejam as únicas testemunhas de nosso primeiro beijo!

– Sério?

A moça se aproxima do rapaz e os dois se beijam. Depois, ele saca o celular do bolso, faz várias fotos do casal tendo as flores como moldura e, em seguida, se afastam de mãos dadas.

– Ah! Que lindo! Não disse que nós inspiramos os humanos a serem melhores!

– Não exagere, realmente, esses dois foram legais, mas deve ser porque ainda não estão maduros... ahahaha...

– Não importa, ganhei a aposta, rabugenta!

– Romântica incorrigível!

– Sem enrolar... qual meu prêmio?

– Você já ganhou, irmã! Aliás, ganhamos, tivemos a sorte de encontrar humanos com almas de flor!

– Olha, minha irmãzinha... totalmente sensível!

– Pois é, rabugentas também amam! :)


* A foto que ilustra esta crônica é de minha autoria... um singelo registro em homenagem à Primavera! Salve a estação das flores!

quarta-feira, 1 de outubro de 2025

Sol particular

O sobradinho resiste até hoje... amarelo como o Sol. Poderoso, entre edifícios modernos e o trânsito caótico. Seu Nicolas, o dono, adoeceu ainda quando os sobrados vizinhos existiam. Ficou no hospital cerca de um mês e quando voltou foi surpreendido com a rapidez com que o chamado progresso lima a história e as marcas de seus cidadãos na cidade. Por que fazem isso? Só constroem prédios altos, retos, sem vida, sem cor, sem amor, sem consideração pelo passado. 

Nicolas também tinha sido procurado pela incorporadora, mas não cedeu às suas investidas. Em seguida, foi internado e, obviamente, concentrou-se na recuperação da saúde. Não ficou sabendo que os outros proprietários haviam sucumbido.

E agora, o que fazer? Será que o Seu Juca da padaria da esquina e seu Arlindo da farmácia ainda estão por aí? E a praça com suas árvores frondosas, os bancos e as mesinhas para as tardes de dominó?

Ao descer do táxi, diante de tanta mudança em sua rua, Seu Nicolas andou pela calçada, observando a correria por trás da placa "homens trabalhando" em meio a caçambas de entulhos. Olha, aquela parece a janela azul do sobrado do Alípio. Sem conter a emoção, Seu Nicolas se pergunta onde estará seu amigo.

Quando chega à praça, ufa... lá estão as árvores e as mesinhas do dominó, mas está deserta. Decidido, volta para a frente de seu querido sobrado e abre a porta. Menino, seu cachorro, balança o rabo, está amoado no tapete em frente à televisão. Clotilde, bordando na poltrona de leitura, levanta os olhos devagar e abre um sorriso.

– Nicolas! Por que não me ligou pra irmos te buscar?

– Não se preocupe, Clotilde! Estou bem, esse período foi só uma forma que arrumei de descansar e comer comida sem gosto, no caso, pra emagrecer... rsrsrs... Posso te dar um abraço?

– Vem, logo, meu velho! Mas antes faz um cafuné no nosso pequeno...

Menino balança o rabo e se aproxima devagar, como se tivesse medo de machucar o dono.

– Ora, vem cá, pequeno, eu não quebro, pode pular nas minhas pernas!

O cachorrinho lambe as mãos de Nicolas, que abraça Clotilde e assim os três permanecem, por um momento, unidos... como sempre!

– Agora, me conte! Por que não ligou?

– Queria fazer uma surpresa... acabei surpreendido... Onde foram parar as casas dos nossos vizinhos?

– Ah, meu velho! Agora só na nossa memória, mas tudo bem, o importante é que estamos aqui... firmes e fortes... como o Sol! Engraçado, você sempre chamou nosso sobradinho de Sol pra me irritar por causa do amarelo lindo e discreto que escolhi... rsrsrs... Agora, gosto da ideia, nosso Sol vai continuar brilhando!

– Mesmo entre esses edifícios sem charme algum!

– Isso mesmo! Vamos pra cozinha? Você chegou bem na hora do café...

– Cronometrei a alta do hospital pra chegar nessa hora, tô com saudade do cheiro do seu café!

– Ah! Espertinho! Vem, Menino! Veja se ele tem água fresca, meu velho?

– Claro, é pra já! Não se assuste com o barulho da britadeira ao lado, Menino, estamos aqui com você!

– Sempre!

– Firmes e fortes...

– ... como nosso Sol particular! :)


* A ilustração é da querida sobrinha/afilhada/parceira @alikailustra