sábado, 25 de outubro de 2025

Uma obra inquietante

Ler Fiódor Dostoiévski é um desafio, muitos nem se atrevem... rsrsrs... Confesso que só tinha lido "Noites Brancas", mas sempre olhei com curiosidade para a obra-prima do escritor russo.

Orientada por meu irmão Gerson (leitor assíduo e contumaz, além de historiador), resolvi deixar para me jogar em "Crime e Castigo" posteriormente, mas pra ir me preparando, ele me presenteou com "O Sósia", uma leitura inquietante e envolvente. 

De cara, o prefácio, assinado por Oleg Almeida, mostrou um paralelo do autor com Nikolai Gógol, de quem tenho "Teatro Completo", que me foi indicado pelo meu saudoso irmão Geraldão! Aí me conquistou fraternalmente em dobro...rsrsrs... Almeida explica que "se não houvesse Gógol, tampouco haveria Dostoiévski, seu aluno e sucessor; por outro lado, se Gógol se mostrou, ao longo de toda a sua vida, afeito ao fabuloso, antevendo, ou melhor, antecipando o realismo mágico dos nossos dias, Dostoiévski deu um largo passo em direção à moderna prosa realista de cunho psicológico, que ainda estava aberta a toda espécie de manifestações extraordinárias, porém já excluía a visão folclórica, mitológica ou supersticiosa destas para explicá-las com base no conhecimento positivo dos processos naturais. Digamos que, mesmo sem serem sósias perfeitos, Gógol e Dostoiévski equivaliam às duas faces da mesma medalha, completando-se e harmonizando-se na perfeição sinérgica de sua arte." 

Como podem ver, gostei desde o prefácio... rsrsrs... Mas vamos à obra, propriamente, dita! A narrativa começa com o Yákov Petróvitch Goliádkin acordando de um sono prolongado e a descrição que o autor faz de suas sensações é de uma riqueza que encanta e surpreende. 

Adoro esse trecho: "Olhavam para ele, de modo familiar, as paredes de seu quartinho, fuliginosas e empoeiradas, cuja cor esverdeada parecia um tanto suja, sua cômoda de mogno, suas cadeiras de certa madeira a imitar o mogno, sua mesa pintada de tinta vermelha, seu sofá turco, revestido de oleado avermelhado com florezinhas verdinhas, e, finalmente, suas roupas tiradas às pressas, na véspera, todas amassadas largadas sobre o sofá. Por fim,  dia outonal , cinzento turvo e sujo como era, olhava para dentro de seu quarto através de uma janela embaçada, tão sombrio e com um esgar tão azedo que o senhor Goliádkin não podia mais, de jeito nenhum, duvidar de que não estava num reino de berliques e berloques qualquer e, sim, na cidade de Petersburgo, na capital, na rua Chestilávotchnaia, no terceiro andar de um prédio de alvenaria, bastante grande, em seu próprio apartamento. Ao fazer tal descoberta importante, o senhor Goliádkin fechou espasmodicamente os olhos, como se estivesse lamentando seu sono recente e querendo reavê-lo por um minutinho."

Logo na primeira página, o protagonista me conquistou e aguçou minha curiosidade para conhecer seu mundo e suas sensações. E desde o início, o senhor Goliádkin já se mostra uma pessoa levemente atormentada... rsrsrs... nada que não tenha se agravado a partir do momento em que entra na história seu tal sósia, que o atormenta, ao longo das páginas, deixando-o  em um estado de abandono e ansiedade que só mesmo um gênio da Literatura para criar uma narrativa com tamanha tensão psicológica. Confesso que me afeiçoei ao senhor Goliádkin e torci por ele até a última linha.

Gosto de como Dostoiévski cria Goliádkin, um misto de ingênuo, inseguro, irônico e, acima de tudo, resiliente (olha eu lançando mão de uma palavra que tá na moda... rsrsrs)... porque por mais que ele estivesse enfrentando uma situação horrorosa e, por vezes, sem saída, ele sempre pensava: "Não é nada... tudo isso ainda pode muito bem melhorar". Como não torcer por um cidadão assim?

O autor sabe fazer crítica social e política sem deixar de se valer do humor para mostrar as fraquezas e vilanias humanas. Aplausos para a genialidade de Dostoiévski! :)

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