quarta-feira, 1 de outubro de 2025

Sol particular

O sobradinho resiste até hoje... amarelo como o Sol. Poderoso, entre edifícios modernos e o trânsito caótico. Seu Nicolas, o dono, adoeceu ainda quando os sobrados vizinhos existiam. Ficou no hospital cerca de um mês e quando voltou foi surpreendido com a rapidez com que o chamado progresso lima a história e as marcas de seus cidadãos na cidade. Por que fazem isso? Só constroem prédios altos, retos, sem vida, sem cor, sem amor, sem consideração pelo passado. 

Nicolas também tinha sido procurado pela incorporadora, mas não cedeu às suas investidas. Em seguida, foi internado e, obviamente, concentrou-se na recuperação da saúde. Não ficou sabendo que os outros proprietários haviam sucumbido.

E agora, o que fazer? Será que o Seu Juca da padaria da esquina e seu Arlindo da farmácia ainda estão por aí? E a praça com suas árvores frondosas, os bancos e as mesinhas para as tardes de dominó?

Ao descer do táxi, diante de tanta mudança em sua rua, Seu Nicolas andou pela calçada, observando a correria por trás da placa "homens trabalhando" em meio a caçambas de entulhos. Olha, aquela parece a janela azul do sobrado do Alípio. Sem conter a emoção, Seu Nicolas se pergunta onde estará seu amigo.

Quando chega à praça, ufa... lá estão as árvores e as mesinhas do dominó, mas está deserta. Decidido, volta para a frente de seu querido sobrado e abre a porta. Menino, seu cachorro, balança o rabo, está amoado no tapete em frente à televisão. Clotilde, bordando na poltrona de leitura, levanta os olhos devagar e abre um sorriso.

– Nicolas! Por que não me ligou pra irmos te buscar?

– Não se preocupe, Clotilde! Estou bem, esse período foi só uma forma que arrumei de descansar e comer comida sem gosto, no caso, pra emagrecer... rsrsrs... Posso te dar um abraço?

– Vem, logo, meu velho! Mas antes faz um cafuné no nosso pequeno...

Menino balança o rabo e se aproxima devagar, como se tivesse medo de machucar o dono.

– Ora, vem cá, pequeno, eu não quebro, pode pular nas minhas pernas!

O cachorrinho lambe as mãos de Nicolas, que abraça Clotilde e assim os três permanecem, por um momento, unidos... como sempre!

– Agora, me conte! Por que não ligou?

– Queria fazer uma surpresa... acabei surpreendido... Onde foram parar as casas dos nossos vizinhos?

– Ah, meu velho! Agora só na nossa memória, mas tudo bem, o importante é que estamos aqui... firmes e fortes... como o Sol! Engraçado, você sempre chamou nosso sobradinho de Sol pra me irritar por causa do amarelo lindo e discreto que escolhi... rsrsrs... Agora, gosto da ideia, nosso Sol vai continuar brilhando!

– Mesmo entre esses edifícios sem charme algum!

– Isso mesmo! Vamos pra cozinha? Você chegou bem na hora do café...

– Cronometrei a alta do hospital pra chegar nessa hora, tô com saudade do cheiro do seu café!

– Ah! Espertinho! Vem, Menino! Veja se ele tem água fresca, meu velho?

– Claro, é pra já! Não se assuste com o barulho da britadeira ao lado, Menino, estamos aqui com você!

– Sempre!

– Firmes e fortes...

– ... como nosso Sol particular! :)


* A ilustração é da querida sobrinha/afilhada/parceira @alikailustra

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