quarta-feira, 16 de maio de 2018

Água na boca

“Meu bem, você me dá água na boca. Vestindo fantasias, tirando a roupa”. Ela canta em alto e bom som, enquanto pedala rumo à padaria. Nem se importa com os outros ciclistas, muito menos os mal-humorados de plantão que reprovam a cantoria logo cedo.
Os vizinhos já estão acostumados com as esquisitices da moça. É comum passar dias cantando a mesma música e como adora Rita Lee, vira e mexe, ela escolhe uma da roqueira, divertindo a maioria das pessoas por onde passa. Com exceção do dono da quitanda, que costuma dizer que sua voz estridente murcha as verduras e amolece as frutas. Mas ela não se ofende, está acostumada com as grosserias do quitandeiro.
Sempre que passa em frente à loja de artigos esportivos, ela para encantada por um dos capacetes. De dentro da loja, um senhor grita: “compra logo... além de ser útil, tem cores lindas! Entra, menina”. Ela dá sorriso, continua pedalando e pensa: “tenho que economizar, mas pode ser uma boa... quem sabe comprando o capacete minha mãe deixa eu fazer trilhas e viajar de bicicleta para o interior”?
Mais algumas pedaladas e passa pelo posto de gasolina, levantando poeira. Com sua voz forte, um dos frentistas dá o mesmo conselho há pelos menos dois anos: “larga disso, menina! Compra um carro, é mais seguro e a gente te dá desconto pra encher o tanque”. Ela dá uma gargalhada: “já disse que meu negócio são duas rodas! Pra que quatro”?
Finalmente, virando a esquina está a padaria preferida! Estaciona a bicicleta e entra animando o ambiente. Os funcionários adoram quando ela chega assobiando uma música que conhecem e logo o lugar vira uma festa. Em uníssono, atendentes, balconistas, chapeiro, caixa, fregueses, gerente e até o dono do estabelecimento cantam: “meu bem, você me dá agua na boca...”. Mas sempre que cantam: “nada melhor do que não fazer nada”, o dono acaba com a farra e manda todos voltarem ao trabalho.
Ela dá uma piscada pra turma, prometendo voltar no dia seguinte, e vai pra casa declarando seu amor incondicional ao pãozinho francês saído do forno: meu bem... isso é que dá água na boca... hummm”.

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