quarta-feira, 10 de julho de 2024

Peraí... era sonho?

Ilustração: @alikailustra 
Janela aberta, uma brisa balançando a cortina e as ideias fluindo. A máquina de escrever a todo vapor, páginas e páginas sendo escritas, um sorriso de satisfação se abrindo no rosto e, de repente, ela acorda com seu cachorrinho lambendo seu rosto. Não acredito! Pensei que a inspiração tinha voltado! Era um sonho? Mas você não lembra de nada que escreveu no tal sonho? Peraí, você tá falando comigo? E daí? Só estou querendo dar uma força, mas se você não quer, posso, simplesmente, voltar a lamber seu rosto. Acordo de um sonho em que estou escrevendo em meio ao meu atual bloqueio criativo e meu cachorro está falando comigo? O que está acontecendo? Já disse que o melhor seria tentar lembrar de algo que escrevia durante o sonho, mas você prefere ficar indignada porque estou falando! Desde quando você fala, meu querido cachorro? Neste momento, ela acorda assustada, caindo da cama. Eu ainda tava dormindo? Sonhando de novo?

No dia seguinte, ela faz questão de esquecer o episódio do sonho dentro do sonho e resolve ficar assistindo qualquer coisa na TV para desestressar. Só que cada vez que olha pela janela, um cenário diferente se descortina à sua frente, como num passe de mágica. E ela se pergunta, aflita, o que está acontecendo com o mundo? Na primeira vez que abre as cortinas, o dia está nascendo, com cores suaves, mas intensas, e um panda se diverte no balanço, para lá e para cá, feito criança. Como um animal tão raro desse pode estar no meu jardim? Na segunda vez, quando olha pela janela, uma brisa tempera a tarde quente e o jardim havia se transformado em uma piscina, onde um golfinho pula, espalhando água para todos os lados. Como pode o jardim virar uma piscina? Se fosse um lago natural, mas uma piscina precisa ser construída! Na terceira vez, quando reúne coragem para abrir as cortinas, é noite e um enxame de vaga-lumes faz uma dança digna de aplausos, formando figuras geométricas no céu. Assustada, ela fecha a janela e senta na poltrona perto da lareira. Sem entender nada, levanta para pegar um pedaço de lenha, tropeça e... acorda com seu cachorro lambendo seu rosto.

Não acredito que eu estava sonhando de novo! Como pode? Que horas são? Será que não vivo mais acordada? O cachorro olha como se tivesse perdendo a paciência. O que foi? Vai falar comigo de novo? O cachorro faz cara de interrogação. Que bom! Agora devo estar acordada. Peraí, deixa eu olhar pela janela mais uma vez, só pra tirar uma dúvida. Quando afasta a cortina, um panda bebê abre um sorriso enorme e num impulso ela fecha as cortinas e tropeça no cachorro, que diz: ai! Peraí, como cachorro, você não devia dizer au? Que tolice, querida! Você tropeçou em minha pata, doeu, viu? Mais assustada, ela corre para o banheiro e quando bate a porta, acorda com seu cachorro a observando e balançando o rabo. Tô precisando de um café!

Minutos depois, na cozinha, de costas para a mesa, ela estranha um barulho parecido com roncos. Quem será que está roncando? Seu cachorro está na varanda tomando sol. Ela mora sozinha e o aparelho de TV está desligado! Então, como em qualquer lugar do mundo, quando alguém se distrai, o leite derrama por todo fogão! Putaquepariu! Vou ter que limpar isso tudo antes de sair. Neste instante, os estranhos roncos tornam-se mais altos. Quando ela vira com a leiteira na mão, vê um majestoso tigre branco sentado, confortavelmente, à mesa, usufruindo da companhia de um fofinho coala, que mastiga um pão de queijo recheado de folhas de hortelã. Ela olha os dois com cara de incredulidade misturada à admiração. Respira fundo e, novamente, vira de costas para limpar o fogão, agindo como se nada tivesse acontecido. Porém, sua ação é interrompida quando os inusitados convidados pigarram, chamando sua atenção. Incrédula, ela ouve o tigre reclamar sua presença e o coala insistir para que tome seu café com leite antes que esfrie. Ela tenta falar alguma coisa, mas acorda ofegante, como quem sai da água depois de quase se afogar. Seu cachorro brinca com o ossinho que ganhou no dia anterior, em meio às cobertas de sua cama. Esses sonhos são tão reais e, ao mesmo tempo, tão bizarros! O que é isso, meu? Preciso dormir por horas seguidas, mas sem sonhar, por favor! Ela cobre a cabeça com o lençol e pega no sono.

Assustada, ela senta na cama. Que horas são? Preciso de meu café da manhã, espero não encontrar nenhum animal selvagem refestelado à mesa. Vamos! O cachorro larga o brinquedo e corre atrás da dona. Na porta da cozinha, ela hesita, afinal, a experiência de há pouco parecia tão real. Decidida, entra e suspira aliviada, tudo está em seu lugar, portanto, aquilo foi um sonho mesmo. Bizarro, mas um sonho. Vem cá, vou colocar sua ração, enquanto isso, vou ao banheiro fazer xixi, lavar o rosto, escovar os dentes, tudo que uma pessoa, minimamente, civilizada deve fazer ao levantar da cama. Ela sai e o cachorro se joga na panela de ração com uma voracidade sem precedentes. Olhando sua imagem no espelho do banheiro, ela reflete sobre os últimos acontecimentos. Cheia de interrogações e exclamações, faz sua higiene e volta pra cozinha. Seu cachorro está esparramado no tapetinho da área de serviço, cochilando. Comeu tudo! Coitadinho, devia estar com muita fome. Que mãe mais desnaturada que eu sou! Agora, também preciso comer, meu estômago está roncando! Ela prepara ovos mexidos, suco de laranja, coloca duas fatias de pão de forma na torradeira, liga a cafeteira e leva o leite ao fogo. Quando liga a boca do fogão, um arrepio percorre sua espinha. Será que quando virar pra mesa vai ter uma surpresa de novo? Ela vira devagar e dá um sorriso tenso. Que ótimo! Estamos sozinhos! Depois de saciar sua fome, fica por alguns instantes olhando a mesa ainda posta. Nossa! Quem olha a quantidade de comida que tem nesse café da manhã vai pensar que foi feita para um batalhão! Tenho que diminuir essa empolgação da primeira refeição, sorte que o pão e seus recheios duram bastante, basta guardar na geladeira. E os ovos mexidos, faço na quantidade certa. Então, qual o problema? O problema é ter de arrumar tudo e lavar a louça quando se está com pressa por ter acordado absolutamente atrasada. Resignada, ela começa a tirar a mesa, levando alguns itens à geladeira e colocando outros na pia. Lavar a louça é um prazer, mas só quando tem tempo, porque quando está apressada costuma quebrar pires, xícaras e o que mais escorregar de suas mãos ansiosas. Desta vez, conseguiu se controlar, mas assim que coloca o pratinho de sobremesa no escorredor, ouve um barulho na área de serviço e sem pensar corre, imaginando que seu cachorro está em apuros. Ao passar para a área, vê Chewbacca, de Guerra nas Estrelas, com seu cachorro no colo. Fica perplexa, pois este é um de seus personagens favoritos da saga, ao mesmo tempo, sente que precisa salvar seu cachorro. Então, ela se lança sobre o personagem e quando está quase arrancando seu cachorro dos braços peludos do co-piloto da Millenium Falcon leva um sutil safanão que a desequilibra. Ela faz menção de atacá-lo novamente, quando seu resmungo característico aumenta de intensidade e ela acorda, na sala, com a campainha tocando, incessantemente. Levantando do sofá meio tonta, abre a porta e recebe uma bronca do tamanho do Universo. Seus pais não param de falar, estão apreensivos, afinal, faz dias que tentam contato com ela, mas não conseguem. Onde você estava, menina? Calma, não sei, acho que dormindo, sonhando mil sonhos. Sonhando? Tem certeza? O que você fez nos braços? Ela olha os arranhões. Ah! Devo ter me machucado no cacto que meu cachorro trouxe da área de serviço. Como assim, ainda não entendi! Pai, é que eu devo ter dormido muito, ele ficou solitário e resolveu trazer o cacto pra dormir com a gente. Você tomou alguma coisa, filha? Não, mãe, só vergonha na cara. Explique melhor. Estava trabalhando muito, há meses seguidos, anos até, sem férias. E aí? E aí que eu chutei o balde no trabalho e resolvi ser feliz num ano sabático, sempre achei isso chique pra caramba! Mas e suas contas, quem vai pagar? Calma, pai, fique tranquilo, tenho reserva, afinal, esse tempo todo só trabalhei, consegui guardar um pouco de grana. Entenda que um pouco de grana não é exatamente o que se pode chamar de tranquilidade. Mas, pai, é só um período de férias prolongado e mais noites de sono tranquilo, daqui um ano volto ao trabalho, em qualquer tipo de ocupação e foda-se. Olha a boca, menina! Mãe, a senhora vive falando palavrão. E daí? Os filhos são a evolução, não é o que dizem? Você devia ser mais bem-educada que eu. Que nós, querida! Ih! Sei lá, não sei se evolui em alguma coisa, às vezes, penso que vocês mereciam uma filha muito melhor. Bobagem, mas voltando a esses arranhões, tem certeza que não quer nos contar nada, filha? Mãe, nem sei por onde começar! Comece nos oferecendo um café! Ahahaha… claro, pai, vamos pra cozinha. Não se preocupe, se tiver louça na pia, seu pai lava rapidinho. Eu? Por que não diz nós dois lavamos, querida? Porque eu fiz isso em casa esta semana inteira contrariando nosso estatuto, segundo o qual devemos lavar a louça alternadamente, querido! Nossa, depois dessa, vou lavar até as paredes! Ahahaha… não precisa exagerar, pai! Tá tudo bem com minha cozinha, quer dizer, espero... :)

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