quarta-feira, 3 de julho de 2024

Imaginação e liberdade

Ilustração: Jordi Lafebre
Dizem que Julia é introspectiva. Na verdade, ela é bem expansiva quando quer, mas, ultimamente, prefere passar as horas de lazer mergulhada na leitura. Lê de tudo, desde obras de História, passando por biografias, graphic novels, clássicos da Literatura de todos os continentes, ficção fantástica, até romances de época, daqueles best-sellers que aparecem em listas de mais vendidos pelo mundo. Basta o livro, qualquer que seja o estilo, chamar sua atenção que ela o abraça! O gosto pela leitura só se compara à paixão por sua bicicleta, como diz seu pai, duas magrelas se entendem.

Este ano, as férias escolares, sempre agitadas pelas viagens em família ou pelas excursões estudantis, estão bem diferentes. Talvez Julia também esteja diferente. Sua avó virou estrela e foi se juntar a seu avô, que ela nem chegou a conhecer. Sua avó era sua companheira de leituras, foi quem a introduziu no vasto mundo da Literatura e também quem lhe presenteou com a tão querida bicicleta. A senhora de cabelos branquinhos costumava dizer que assim como os livros dão asas à imaginação, a bicicleta dá a incrível sensação de liberdade como deve ser a do pássaro ao voar.

Imaginação e liberdade de pensamento são essenciais para uma vida mais doce e cheia de possibilidades, dizia a avó, que sempre arrumava um jeito de Julinha passar em sua casa para lerem juntas um de seus exemplares da coleção das irmãs Brontë, com direito a café da tarde e passeio de bicicleta pelas alamedas. Sim, sua avó andava de bicicleta desde jovenzinha, chegou a fazer até trilhas que lhe renderam cicatrizes nas canelas… e pedalou até não ter mais condições físicas, mesmo assim, dizia continuar tendo a mesma sensação de liberdade só de se imaginar pedalando.

Olha aí de novo: imaginação e liberdade de pensamento, ingredientes imprescindíveis para uma vida plena, de horizontes abertos e infinitas possibilidades. Porém, este ano, nas férias de Julia, nada de leitura conjunta, nem cafés da tarde animados, muito menos pedaladas pelas alamedas. O momento é de reflexão e ajustes para saber como se comportar nesse mundo hostil e, por vezes, insensível, sem a pessoa que mais a entendia na vida.

Ela não tem visitado o mais charmoso entre os edifícios do Barri de Gracia, onde sua avó morava no simpático apartamento avarandado de número 7, agora, colocado à venda. Mil pensamentos passam por sua cabeça, mas as únicas coisas que a acalmam são a bicicleta e o exemplar autografado de "Últimas tardes com Teresa", do escritor catalão Juan Marsé. Obra que a avó tinha um carinho especial, mas não queria que ela lesse antes de amadurecer, pois o autor merecia um entendimento mais profundo.

A perda trouxe o início do amadurecimento e, pela primeira vez, Julia saiu sozinha pedalando pelas alamedas do bairro até encontrar um cantinho, onde, finalmente, pôde desvendar a aguardada leitura. E ali, montada na bicicleta, passou a tarde inteira na companhia do livro que, a partir de então, a reconectava à sua melhor amiga... :)

* Esta doce crônica foi inspirada na bela ilustração do grande Jordi Lafebre a quem admiro imensamente por seu trabalho e a quem agradeço a delicadeza de permitir que eu publicasse sua menina, a quem batizei de Julia... ❤️

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