Ilustração: Jordi Lafebre |
Este ano, as férias escolares, sempre agitadas pelas viagens em família ou pelas excursões estudantis, estão bem diferentes. Talvez Julia também esteja diferente. Sua avó virou estrela e foi se juntar a seu avô, que ela nem chegou a conhecer. Sua avó era sua companheira de leituras, foi quem a introduziu no vasto mundo da Literatura e também quem lhe presenteou com a tão querida bicicleta. A senhora de cabelos branquinhos costumava dizer que assim como os livros dão asas à imaginação, a bicicleta dá a incrível sensação de liberdade como deve ser a do pássaro ao voar.
Imaginação e liberdade de pensamento são essenciais para uma vida mais doce e cheia de possibilidades, dizia a avó, que sempre arrumava um jeito de Julinha passar em sua casa para lerem juntas um de seus exemplares da coleção das irmãs Brontë, com direito a café da tarde e passeio de bicicleta pelas alamedas. Sim, sua avó andava de bicicleta desde jovenzinha, chegou a fazer até trilhas que lhe renderam cicatrizes nas canelas… e pedalou até não ter mais condições físicas, mesmo assim, dizia continuar tendo a mesma sensação de liberdade só de se imaginar pedalando.
Olha aí de novo: imaginação e liberdade de pensamento, ingredientes imprescindíveis para uma vida plena, de horizontes abertos e infinitas possibilidades. Porém, este ano, nas férias de Julia, nada de leitura conjunta, nem cafés da tarde animados, muito menos pedaladas pelas alamedas. O momento é de reflexão e ajustes para saber como se comportar nesse mundo hostil e, por vezes, insensível, sem a pessoa que mais a entendia na vida.
Ela não tem visitado o mais charmoso entre os edifícios do Barri de Gracia, onde sua avó morava no simpático apartamento avarandado de número 7, agora, colocado à venda. Mil pensamentos passam por sua cabeça, mas as únicas coisas que a acalmam são a bicicleta e o exemplar autografado de "Últimas tardes com Teresa", do escritor catalão Juan Marsé. Obra que a avó tinha um carinho especial, mas não queria que ela lesse antes de amadurecer, pois o autor merecia um entendimento mais profundo.
A perda trouxe o início do amadurecimento e, pela primeira vez, Julia saiu sozinha pedalando pelas alamedas do bairro até encontrar um cantinho, onde, finalmente, pôde desvendar a aguardada leitura. E ali, montada na bicicleta, passou a tarde inteira na companhia do livro que, a partir de então, a reconectava à sua melhor amiga... :)
* Esta doce crônica foi inspirada na bela ilustração do grande Jordi Lafebre a quem admiro imensamente por seu trabalho e a quem agradeço a delicadeza de permitir que eu publicasse sua menina, a quem batizei de Julia... ❤️
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