Agnes tem seis anos e está, neste exato momento, olhando curiosa a agitação da casa em torno da montagem da árvore de Natal. Ela só observa, porque, segundo a mãe, ainda não tem habilidade pra lidar com essas coisas e, além disso, pode se machucar. Seu irmão, irritado, diz que se a caçula se machucar vai acabar com a festa!
A menininha nem se importa com as provocações do irmão. Até porque prefere ficar no cantinho da sala, na companhia de seus animais de estimação: Abacate, o cachorro; Açaí, a calopsita; e Amora, a tartaruga. Sim, seus bichinhos têm nomes de fruta... o alimento preferido da pequena. Nem todos da casa gostaram das escolhas, mas aceitaram, afinal, ela cuida deles, é justo que tenha o direito de batizá-los.
Engraçado que todos acham que ela não serve para cuidar da árvore de Natal, mas dos animais de estimação, serve. E isso intriga Agnes.
– Eu não sei vocês, mas eu não consigo entender por que a mamãe me deixa cuidar de vocês sozinha, mas não deixa chegar perto dessa árvore de plástico e luzinhas irritantes!
O cachorro olha com cara de espanto e dá um leve ganido.
– Pois é, Abacate... os adultos têm umas coisas estranhas que não dá pra entender. Mas quando falo isso, eles dão risadas e dizem que um dia vou entender.
A tartaruga morde delicadamente a ponta da sandalinha da menina.
– Para, Amora. Eu sei que você não me fez cócegas, mas só de chegar perto do meu pé, já começo a sentir... ahahaha...
Neste instante a calopsita pula no ombro de Agnes.
– Que susto, Açaí! Você também acha que esses adultos são estranhos, né? Pois é, também não gosto desse negócio de que um dia vou entender... não quero entender! Será que quando a gente cresce, deixa de cuidar dos animais pra cuidar de coisas? Então, não quero crescer, prefiro continuar aqui nesse cantinho cuidando de vocês.
Quando Agnes cansa de ficar sentada com seus animais e resolve ir para o quintal, um grito muda seus planos.
– Agnes! Vá ao banheiro lavar as mãos e venha almoçar...
– Tá bom! Já tô indo...
– Antes de lavar as mãos, leve os animais para o quintal!
– Ah! Mãe, eles não podem...
– Não, Agnes! Eles não podem comer na cozinha... nós é que vamos almoçar com você, entendido?
– Vou levar eles pra comer e já vou.
– Não demora, filha!
Agnes vai para o quintal, levando Açaí no ombro, seguida por Abacate e Amora.
– Eu não sei porque a mamãe não deixa a gente comer tudo junto... eu não me importo se vocês forem bagunceiros... eu também sou um pouco. Agora, eu só não entendo porque temos que almoçar logo... o que será que tem de tão importante nesse almoço?
– Agnes, a mãe já não disse pra você vir almoçar logo? O que você tá fazendo aí no quintal?
– Eu tô levando meus companheiros pra almoçar, eles também precisam comer...
– Deixa de frescura, eles sabem comer sozinhos! Você é a única na casa que precisa que a mãe ou o pai ainda corte seu bife em pedacinhos...
– E daí?
– E daí que você é uma pirralha e tá atrasando o almoço.
– Filho, deixa sua irmã cuidar dos animais e vem logo que quero te falar uma coisa...
– Ahahaha...
– Tá rindo de quê, menininha atrevida?
– Atrevida? O que é isso?
– Burra! Entendeu agora?
Agnes começa a chorar e a mãe chega correndo da cozinha.
– O que foi que aconteceu, filha? Por que você tá chorando?
– Ele me chamou de burra de novo...
– Filho, para com isso e vai pra cozinha!
A mãe senta no chão e abraça Agnes que soluça com as mãozinhas no rosto.
– Filha... você é inteligente, eu já te disse isso mais de mil vezes. Você cuida dos seus bichinhos de estimação, você se veste sozinha, você é a parceira da mamãe.
– Mas não posso ajudar a arrumar a árvore de Natal...
– Daqui uns anos, você vai arrumar tão bem que vou deixá-la arrumar sozinha!
– Não quero arrumar sozinha, gosto de fazer as coisas junto...
– Ahahaha... minha pequena! Tá bom, prometo que, no ano que vem, você é quem vai me ajudar com a árvore, tudo bem?
– Tá bom... mas o que é atrevida?
– Por que tá me perguntando isso, filha?
– Ele me chamou de atrevida e como eu não entendi, me chamou de burra...
– Deixa pra lá... vou dar uma bronca no seu irmão. Agora, enxugue as lágrimas e vamos lavar as mãozinhas pra almoçar!
Agnes manda beijos para os animais e entra na casa com a mãe. Durante todo o almoço, a menina come em silêncio. A mãe e o irmão conversam sobre coisas que não chamam muito sua atenção. Até que ela olha para uma cadeira vazia.
– Mamãe, o papai não veio almoçar de novo... por quê?
– Porque tá trabalhando!
– Não perguntei pra você, seu bobo! Mãe!
– Não briguem... o papai está adiantando um trabalho pra sair de férias e ficar mais tempo com a gente, filha!
– Mas ele vem jantar hoje?
– Claro que vem!
– Mãe!
– Filho, não implique com sua irmã. Calma, Agnes, ele vem para o jantar. Quer mandar uma mensagem pra ele agora?
– Não... só fico com saudades, por isso perguntei...
– Eu sei, não fique triste... entenda... seu pai está trabalhando.
– Já comi. Posso ir para o quintal?
– Não quer sobremesa?
– Não... posso ir?
– Pode. Filho, você quer a sobremesa?
– Eu quero! Ainda bem que essa pentelha não quer, sobra mais pra mim.
– Não me importo.
Agnes dá de ombros para o irmão e sai apressada. No quintal, ela senta ao lado de Abacate e logo Açaí e Amora se juntam aos dois.
– Por que será que tem coisa que só vou precisar entender quando crescer porque ainda sou muito criança, mas agora mesmo a mamãe disse que eu tenho que entender que papai trabalha demais? Não quero entender isso, quero ele aqui comigo. Passo dias sem ver meu pai. Vou dormir antes dele chegar e acordo depois que ele saiu! Não é justo.
Os animais parecem concordar com a opinião da menina e se aproximam ainda mais como se quisessem mostrar apoio. Ela faz carinho em cada um dos três.
– Sabe o que eu acho? Vou parar de tentar entender as coisas... é muito difícil.
O irmão chega rindo e senta ao lado de Agnes.
– O que você não entende, pirralha?
– Não entendo nada. Você vive dizendo que sou burra!
– Filho! Vem me ajudar com a guirlanda, quero que você coloque na porta ainda hoje!
– Já vou, mãe! Depois quero saber mais sobre sua dificuldade em entender as coisas da vida.
O irmão volta para dentro da casa rindo. Agnes fica pensativa.
– Uma coisa que eu não consigo entender de jeito nenhum é pra que existem os irmãos! Será que é só pra encher nossa paciência?
Nos próximos dias, o que Agnes temia aconteceu... não conseguiu esperar o pai chegar e nem acordou antes que ele fosse trabalhar. Agarrada à almofada cor-de-rosa, a menininha senta na cama, ainda com sono e começa a resmungar.
– De novo... tenho certeza que papai já saiu...
O irmão entra no quarto pra começar a fazer as provocações diárias com a irmãzinha.
– Bateu seu recorde, Agnes!
– Que recorde, bobo?
– Hoje, faz uma semana que você não vê o pai... ahahaha...
– Para... eu fico triste.
– Eu te falei que eu brinquei de videogame e conversei bastante com o pai todos esses dias?
– Claro que você falou, todo dia você vem aqui pra me contar suas aventuras com o papai enquanto eu durmo...
– Ahahaha... então, cresce e para de dormir desse jeito... molenga!
Agnes sai do quarto descalça, chorando e chamando pela mãe.
– O que foi, querida?
– Aquele bobo foi de novo no meu quarto dizer que brincou com o pai enquanto eu dormia...
– Filho, quantas vezes eu já disse pra você parar de implicar com sua irmã? Ela é uma criança... você já é um rapaz!
– Mãe... é verdade que ele brinca com o papai todos os dias?
– Filha, seu pai chega tão cansado que só consegue trocar meia dúzia de palavras com seu irmão, que normalmente, está deitado no sofá cochilando.
– Mas pelo menos ele vê o papai... sabe o que eu não entendo?
A mãe enxuga as lágrimas no rostinho de Agnes.
– O que você não entende, minha pequenininha?
– Eu não entendo porque papai não me acorda pra conversar comigo também... ele não gosta de conversar comigo? Prefere aquele bobo?
– Não fale assim do seu irmão. Seu pai costuma ir ao seu quarto todo dia quando chega e de manhã antes de ir para o trabalho, só que ele tem dó de te acordar.
– Não quero mais dormir... vou ficar acordada!
O irmão chega na sala rindo e pronto para mais provocações.
– Isso... faz como naqueles desenhos animados, coloca palitos pra manter os olhos abertos...
Agnes começa a chorar de novo. A mãe olha irritada para o filho.
– Pare de fazê-la chorar... por favor!
– Vou colocar os palitos nos olhos e se me machucar vou contar pro papai.
– Ahahaha... quando? Só se for em sonho, você nunca vê o pai!
– Mãe... ele continua me enchendo... briga com ele!
– Filho vai indo pra cozinha, já vou servir seu café.
– Eu já tomei café, mãe!
– Tudo bem, você toma de novo.
O rapazinho vai para a cozinha batendo os pés. A mãe dá uma piscada pra Agnes e as duas se abraçam.
– Mãe... agora posso...
– Não, Agnes. Agora você vai para o banheiro lavar o rosto, escovar os dentes pra tomar café!
– Mas eu nem...
– Não precisa terminar a pergunta, eu sei que você ia pedir para ir ao quintal ver os seus bichinhos, mas não! Vai pro banheiro que eu já vou te ajudar, filha...
– Mas, mãe...
– Agnes!
– Tá bom... depois do café eu vou brincar com eles.
– Ótimo!
Agnes corre para o banheiro. A mãe arruma as almofadas no sofá e vai atrás da filha.
Depois do café, lá está a pequena e seus amigos no quintal. Abacate come sua ração tranquilamente, Amora se esbalda com uma folha de couve, enquanto Açaí brinca com o cabelo de Agnes.
– Hoje, eu descobri que as coisas acontecem quando a gente dorme. Pelo menos aqui em casa é assim. Olha agora, nada acontece, estamos aqui só passando o tempo... gosto muito disso, mas não tem nada de novo. De repente, é só eu dormir que papai chega... e tenho certeza que muitas coisas acontecem. Como quando os presentes aparecem embaixo da árvore de Natal. Por mais que eu tente, não consigo ficar acordada pra ver.
Neste instante, Abacate pula em seu colo e lambe seu nariz. Amora olha para a cena com um pedaço de couve na boca. Agnes dá um sorriso e continua suas reflexões.
– Adoro vocês... são os únicos que me entendem. Mas quando será que vou conseguir ficar acordada até mais tarde? Será que só depois que começar a usar caneta na escola? Ou quando eu conseguir colocar leite no copo sem derramar? Ou quando tomar banho sozinha sem que a mamãe tente enfiar a toalha de banho nas minhas orelhas?
De repente, a mãe para na porta da cozinha e fica olhando encantada.
– Você está falando sozinha há muito tempo, querida! Quer conversar com a mamãe?
– Estou conversando com Abacate, Açaí e Amora. Mas vem cá, a gente vai adorar!
– Ahahaha... eu não sei de onde saiu essa sua mania de preferir conversar com os animais do que com seu irmão.
A mãe senta ao lado de Agnes e começa a acariciar a cabeça do cachorro.
– Meu irmão é um rapazinho... não foi isso que a senhora disse? Rapazinhos não gostam de crianças... ele só sabe me irritar e dizer que eu não sei nada.
– Ele faz isso porque gosta de te ver assim brava, filha! Brincadeira de irmão.
– Não gosto disso. Por isso, prefiro meus bichinhos.
– Eu também gosto de seus bichinhos, filha! Mas e suas amiguinhas da escola?
– Estamos de férias, mãe, esqueceu?
– Mas olha que respondona essa minha criança?
– Desculpa, mãe...
– Ahahaha... tudo bem, mas você não prefere chamar alguma delas pra brincar com você?
– Não! É férias... quero ficar no meu quintal. Não quero visitas.
– Ahahaha... agora falou a filha do seu papai... ele também é assim... se bem que com a turma do trabalho dele o melhor a fazer nas férias é se afastar mesmo.
– Por que, mãe?
– Deixa pra lá, filha. Você é muito...
– ... criança... já sei, mãe. Com Abacate, Açaí e Amora converso sobre tudo!
– Ahahaha... minha pequenininha! Tenho que ir ver o bolo... tá quase pronto! Daqui a pouco, vai ter café da tarde!
– Oba! Tem geleia de morango?
– Tem, querida!
A mãe dá um beijo na testa de Agnes e entra correndo na cozinha.
– Tá vendo? A mãe diz que quer conversar comigo, mas é só eu querer saber alguma coisa de adulto e ela já diz que sou criança. Eu tô começando a achar que é melhor não perguntar mais nada e aproveitar enquanto posso conversar com vocês a tarde toda... se ficar acordada até mais tarde é só pra trabalhar como os adultos, prefiro dormir.
No dia seguinte, Agnes acorda e se assusta com seu pai olhando pra ela com um sorriso que é capaz de derreter o mais insensível dos seres humanos.
– Papai! Você veio conversar comigo? Que horas são?
– É hora de acordar, minha pequenininha!
Agnes pula no colo do pai e se agarra em seu pescoço por longos minutos. Os dois ficam em silêncio durante todo o abraço apertado e cheio de carinho.
– Vem cá, vamos sentar na sua cama um pouco, quero olhar pra você.
– Por que, pai?
– Ahahaha... porque estou com saudade da minha filhinha!
– Ahahaha... eu também tô com saudade do meu papai!
A mãe entra no quarto rindo e também senta na cama.
– Que coincidência... eu também estou com saudades do meu marido e da minha filha!
– Mas você me vê o dia inteiro, mamãe!
– Ahahaha... Filha, sua mãe quer dizer que tem saudade de nós juntos...
O irmão entra correndo e se joga no colo dos três.
– E de mim? Vocês têm saudade?
– Claro, filho.
Agnes faz um bico e respira fundo.
– O que foi? Não me diga que minha pequenininha não tem saudade de nós quatro juntos?
– Ah! Pai, deixa, essa menina é muito...
– ... burra! Fala pro papai que você fica o dia inteiro me chamado de burra e rindo da minha cara.
– O que é isso, filho? Você é um rapazinho... sua irmã é criança, tenha paciência com ela.
– Pai... eu que não tenho mais paciência com esse bobo... eu não quero mais falar de saudade... ele não gosta de mim... posso ir pro quintal?
– Filha! Você acabou de acordar, nem tomou banho, precisa comer alguma coisa... não vai pro quintal de jeito nenhum!
– Ahahaha... bem feito!
– Filho! Quer dizer que eu passo quinze dias trabalhando como um condenado pra ficar com vocês e descubro que minha família está em pé de guerra? Eu não esperava esse tipo de atitude de vocês...
– Querido, tenha calma...
– Estou calmo, só não consigo entender essa briga toda... estou desanimado... quero vocês dois na mesa do café alegres e tratando um ao outro com educação e respeito, entendido?
– Ah, pai! Essa menina é muito cheia de frescura, ela devia morar no quintal com sua salada de frutas de estimação...
– Para de me encher, seu bobo! E respeite meus animais de estimação! A professora disse que a gente tem que respeitar a natureza, os animais e as plantas... e também tratar as pessoas com gentileza.
– Filha, agora você me surpreendeu!
– Ah, mãe!
– Filho, chega! Vá se arrumar para o café...
– Pois é, eu me surpreendi, porque simplesmente minha filha não me conta nada do que acontece em suas aulas... mas contou agora para o pai... será que não mereço saber o que você aprende na escola, filha?
A mãe sai do quarto, cabisbaixa. Agnes e o pai ficam em silêncio por alguns instantes.
– Pai...
– O que está acontecendo aqui, filha? Brigas entre irmãos até entendo, costumam ser normais... apesar de eu achar que a de vocês já passou dos limites. Agora, não contar as coisas da escola pra sua mãe? Isso é devastador...
– O que é devastador, pai?
– Algo que deixa a gente muito, mas muito triste.
– Não fica triste, pai! Eu não tô brigando com a mamãe!
– Mas porque não conta mais suas coisas pra ela?
– Ela prefere passar a maior parte do tempo com o bobo do meu irmão. Quando quero ajudar, ela diz não, porque sou muito criança e posso me machucar. E quando eu pergunto alguma coisa, ela nem responde, só diz que quando crescer, vou conseguir entender essas coisas... qualquer coisa... por isso, prefiro ficar no quintal com meus bichinhos.
– Como assim? Sua mãe fica com seu irmão fazendo o quê?
– Arrumando aquela árvore enfeitada com aquelas luzinhas piscando...
– Ahahaha... concordo! Aquele negócio de acende e apaga é muito irritante!
– E ela não me deixou ajudar... e o bobo fica dizendo toda a hora que não sei fazer nada.
– Mas filha, pensa comigo, qual a graça de arrumar a árvore de Natal? Principalmente, quando se tem um Abacate, um Açaí e uma Amora como companhia!
– Ah! Papai, mas todas as meninas ajudam as mães, vai ver sou burra mesmo.
– Não diga isso! Sua mãe te ama, Agnes! Nós te amamos, filha!
– Não quero só ganhar o brinquedo de Natal e ficar na varanda com meus primos! Quero vocês comigo.
– Agnes, você me assusta... de onde sai essas ideias maduras?
– O quê?
– Ahahaha... nada, filhinha.
– Todo mundo só diz isso pra mim... nada... ou não é nada ou eu sou muito criança e não sei nada... vou acabar ficando brava com a palavra... nada!
– Ahahaha... Agnes, não fique brava com nada! Essa frase vai fazer mais sentido quando você crescer...
– Nem sei se quero crescer... vocês adultos só trabalham... prefiro brincar!
– Tá bom, pequena! Vamos tomar café?
– Você passa a geleia de morango nas torradas pra mim?
– Claro, pequena! Vai escovar os dentes, eu espero você.
Depois do café da manhã, pai e filho vão para a sala jogar uma partida de futebol de botão. Enquanto isso, Agnes continua sentada à mesa com a mãe.
– Mãe...
Depois de alguns minutos sem resposta, Agnes faz cara de choro e fala com a voz embargada.
– Mamãe... a senhora não quer mais falar comigo?
– Filha... quem não quer mais contar o que aprende na escola é você... acho que não tenho sido uma boa mãe.
– Isso não existe... mãe é sempre boa! Desculpa... eu fiquei triste porque a senhora só falava com meu irmão sobre as coisas de Natal, por isso achei que não ia se interessar sobre minha escola.
– Agnes... de onde você tira essas conclusões?
– Nem sei direito o que são conclusões, mas sei que fiz errado... tenho que contar as coisas pra mim mãe.
– Você sempre contou...
– Antes a senhora também gostava de conversar comigo... foi só chegar esse tal de Natal, pronto... não precisa mais de mim... só do bobo do meu irmão.
– Eu preciso de você sempre, filha. Mas não quero que você tenha responsabilidades logo... quero você brincando.
– Mas eu posso brincar e te ajudar. Na escola, tem hora pra aprender e tem hora pra brincar. A professora disse que tem hora pra tudo, mãe!
– Ahahaha... tá bom! Então, hoje, nós vamos cuidar dos enfeites de mesa...
– Ah! Posso fazer os laços?
– Pode... acho que agora você consegue!
– A senhora também acha que eu sou burra?
– Claro que não! Filha, para com isso. Seu irmão gosta de te chatear, ele não acha que você é burra. Pare de falar isso.
– Ele que fica falando toda hora.
– Sabe por que, filha?
– Porque ele não gosta de mim...
– Não é isso. Ele não fazia isso...
– É verdade... ele era mais legal.
– Vou te contar. Ele começou a te irritar pra esquecer que papai não foi ao jantar de formatura.
– Em vez de me xingar, por que não veio me pedir um abraço?
– Porque ele te acha muito novinha pra compartilhar tristezas.
– Não sou um bebê, sou uma menina de seis anos que vai à escola e sabe arrumar a mesa pra ceia.
– Tudo bem, querida! Depois conversamos com seu irmão... quero todos bem para o Natal.
– Só pro Natal?
– Ahahaha... não, perguntadeira da mamãe! Vem, vamos arrumar logo essa cozinha, quero entrar no campeonato de futebol de botão... eles que me aguardem!
– Uhuuuuu! Mas, mãe posso...
– Pode ir com seus bichinhos, mas quando eu for jogar, vou precisar de sua torcida.
– Tá bom, mãe! É só me chamar que eu vou torcer muito!
Agnes sai apressada e quando chega ao quintal vê seus companheiros quietinhos num canto.
– O que foi? Vocês estão tristes?
Abacate pula no colo, Açaí no ombro e Amora se acomoda entre os pés da menina.
– Não se preocupem, estou aqui. O almoço demorou hoje porque tive uma conversa com a mamãe.
O cachorro dá uma lambida no nariz de Agnes.
– É isso, Abacate! É carinho que falta nas pessoas. E os adultos, por mais que nos amem, às vezes, parece que não estão nem aí pra gente.
Açaí brinca com seu cabelo.
– Eu sei, Açaí! Mamãe e papai me amam, eles falaram isso. Mas meu irmão... não acho que ele gosta de mim. E ainda desconfio que irmãos só servem pra atrapalhar tudo...
A tartaruga morde delicadamente a sandália e Agnes dá risada.
– Ai, Amora... já disse que você me faz cócegas... ahahaha!
A mãe grita de dentro da sala.
– Vem, Agnes! Preciso de sua torcida!
– Já vou, mamãe! Vocês esperem aqui, daqui a pouco volto... preciso tentar entender algumas coisas ainda... por exemplo, porque o bobo do meu irmão não me pediu um abraço. Mamãe e papai vivem dizendo que meus abraços curam qualquer coisa!
No dia seguinte, Agnes acorda com a mãe e o irmão na porta de seu quarto.
– Vamos, pequena! Já pro banho, não esqueça de escovar os dentes!
– Mãe, vou pra cozinha, tô com fome...
– Vai, filho! Nós já vamos! Levante, Agnes! Quero você bem bonita quando papai chegar!
– Onde ele foi?
– Cuidar do carro... ele vai nos levar passear!
– Mãe, posso levar...
– Não, querida! Não vamos levar os animais de estimação...
– Por quê?
– Porque não é lugar pra eles, Agnes! Vamos nos arrumar...
Agnes faz uma careta e vai pro banheiro com a mãe.
– Mãe... posso ir ver meus bichinhos depois de tomar café?
– Pode, mas não se suje... daqui a pouco o papai chega e temos que estar todos prontos!
– Prometo não me sujar, só quero falar bom dia pra eles!
A mãe dá um sorriso e põe a pequena embaixo do chuveiro.
– Agora, vamos tomar banho, mais tarde você pensa nos seus bichinhos, certo?
Depois do café, Agnes corre para o quintal. Ela cumprimenta os animais de estimação e faz cara de intrigada.
– Preciso conversar sobre uma coisa que acho muito estranha. Será que vocês podem me explicar qual a utilidade de escovar os dentes na hora que a gente acorda, se vamos tomar café e depois vamos ter de escovar de novo? Pra mim, só serve pra gastar pasta de dente e tempo... Por mim, a gente levantava da cama, tomava café e depois escovava os dentes. Eu tava dormindo... não comi nada, pra que escovar os dentes assim que levanta?
Abacate, Açaí e Amora permanecem parados olhando para Agnes, como se não soubessem o que responder.
– Tudo bem! Vocês não devem saber o porquê. Mas eu precisava falar... acho muito estranho, mas deve ser coisa de adulto e só vou entender quando crescer.
Agnes dá um suspiro de enfastio.
– Esse negócio de crescer já tá ficando muito mais chato do que eu imaginava. E o papai que não chega... ninguém me fala onde vai ser esse passeio. Vai ver todos sabem, menos eu.
– Oi, pequena... vou te contar. Quer saber?
– Oi... você não vai dizer que sou burra por não saber?
– Claro que não. Até porque isso não é questão de burrice ou inteligência, não dá pra você adivinhar.
Agnes olha surpresa para a gentileza do irmão.
– Deixa... se eles querem que seja surpresa pra mim, tudo bem, eu espero. Posso perguntar uma coisa pra você?
– Fala, pequena!
– Meus abraços só curam o papai e a mamãe?
– Como assim?
– Ah! Quando estão tristes ou cansados, eles abrem os braços pra mim e dizem que meu abraço cura tudo!
– Ah! Você é muito bonitinha! Mas por que você acha que só cura o papai e a mamãe?
– Porque a mamãe disse que você tava tristinho esses dias, nervoso sei lá... por que não me pediu um abraço?
– Ah! Agnes... desculpa... tô muito chato com você nesses dias, né?
– Fiquei brava algumas vezes, mas depois que a mamãe disse que você estava triste, fiquei triste também. Antes você brincava mais comigo...
– Vem cá... me dá esse abraço milagroso, vai!
Agnes abraça o irmão e os dois ficam por alguns minutos em silêncio. Os animais continuam observando a cena.
– Tenho que confessar que seu abraço cura mesmo! Tô mais animado agora!
– Mas por que você está triste?
– Melhorei, Agnes! Tá bom, não precisa me olhar assim. Ah! Eu fiquei triste porque o papai não participou da minha cerimônia de formatura e nem do jantar de comemoração.
– Eu queria ir, mas a mamãe não deixou...
– Ah! Tudo bem, pequena... você é criança, não pode ir mesmo. E você me parabenizou antes da festa... isso é que vale mesmo!
– Puxa... pensei que você nem ligasse pra mim e pros meus abraços...
– Não fale isso nunca, Agnes! Mas é que a gente vai crescendo e aumentando as responsabilidades, por isso, às vezes pode parecer que não me importo, mas isso não é verdade. Pergunte pra mamãe, eu sempre quero saber como você está na escola, com as amiguinhas... só que agora tô estudando muito pro vestibular e tô ficando mais nervoso e chato...
– Tá virando adulto?
– Ahahaha... acho que sim... que merda!
– Ahahaha...
– Ai, se a mãe me pega falando palavrão pra você, ela vai brigar comigo.
– Ah! Merda não é palavrão... é?
– Ahahaha... eu também não acho tão grave, mas é melhor não falar, tá bom?
– Tá bom. Você promete que vai voltar a me dar atenção?
– Prometo... desculpe... eu sei que fui estúpido com você ultimamente.
– Está tudo bem, agora.
– Vou entrar... não demora muito, senão eles vão ficar bravos com você, hein?
– Só vou conversar um pouquinho com eles e já vou.
O irmão dá um beijo na testa de Agnes, passa a mão na cabeça do cachorro, olha sorrindo para a calopsita e para a tartaruga e entra na casa.
Agnes dá um sorriso feliz. E volta a falar com os animais.
– Que bom que meu irmão melhorou, né? Mas sabe o que eu fiquei pensando? Eu me dou bem com vocês, porque criança e bicho é tratado do mesmo jeito. Eu não fui na festa de formatura dele, porque sou criança. E hoje não posso levar vocês pro passeio, porque a mamãe disse que não é lugar pra animais de estimação. Somos sempre deixados pra trás, mas ainda acho melhor que crescer e ter chateações.
– Agnes! Vamos passear! Depois vai ter mais surpresa!
Olhando para Abacate, a menina comenta com cara de poucos amigos.
– Ah, não! Surpresa? Não gosto dessas coisas... no ano passado, a mamãe disse que eu ia adorar a surpresa e só tive vontade de correr quando ela me sentou no colo daquele senhor de barbas brancas. Só gosto da cor da roupa dele... vermelho... a cor da minha sandália preferida! Pois é, Amora, você também gosta dessa minha sandália, né? Ahahaha...
A mãe aparece na porta e a menina corre, mandando beijos para os animais, que ficam impassíveis, olhando sem muito interesse pela gritaria que vem da casa.
O passeio foi mais um artifício para que a família arrumasse a casa para a ceia e preparasse a tal surpresa para a menina. Quando voltam para casa, a mãe pede que o irmão leve Agnes para o quintal.
– Fica aí um pouquinho, pequena! Já volto.
Meio ressabiada, a menina senta e os animais se aproximam. Ela faz um cafuné em cada um deles e começa a contar como foi o passeio. Depois de longos minutos, o grito do pai interrompe a conversa.
– Agnes! Vem logo, minha pequena!
Quando chega à sala, a menina leva um susto. Lá está o senhor de barba branca vestido de vermelho. Ela pensa: mas o que será que ele está fazendo aqui em casa?
– Filha, vem dar um beijo no Papai Noel!
– Mas por que ele está aqui agora? E os presentes?
Agnes olha para a Árvore de Natal e nada de pacotes e laços.
– Calma, filhinha! Ele só veio te dar um beijo... tomar um café conosco e depois vai começar sua jornada entregando os presentes.
– Mas cadê o trenó? E as renas?
– Estão escondidos... ele só veio te ver, filha!
Agnes olha desconfiada, chega perto do Papai Noel e dá um abraço.
– Ho Ho Ho... esse abraço é famoso! Cura tudo!
– O senhor sabe que meu abraço cura tudo?
– Eu sei tudo, criança!
– Mamãe, posso ir contar pros meus bichinhos que o Papai Noel sabe que meu abraço cura?
Entre risadas, a mãe faz um sinal e a menina corre para o quintal. Sentada ao lado do cachorro e sob os olhares curiosos da calopsita e da tartaruga, ela começa suas reflexões.
– Pois é... o Papai Noel está lá na sala e nem é noite de Natal ainda... ele disse que conhece meu abraço que cura tudo. É... eu sei que não é ele de verdade. Isso tudo é só pra me enrolar. Eu fingi acreditar, só pra agradar meu pai, minha mãe e meu irmão.
O cachorro pula no colo da menina e lambe seu nariz. A calopsita e a tartaruga se aproximam, como se estivessem interessadas nas histórias de Agnes.
– Tenho seis anos e não consigo entender algumas coisas. Tudo bem que a mamãe e o papai já disseram que tem coisas que não é pra entender agora. Mas não consigo parar de pensar que os adultos parecem não se importar com nada, com ninguém. Só pensam em trabalhar e reclamar que estão trabalhando muito. E se não trabalham, reclamam que não estão trabalhando.
A tartaruga dá uma mordidinha na sandália da menina. E a calopsita se acomoda no ombro de Agnes, que se ajeita e continua seu monólogo sobre as inquietudes infantis.
– Não dá pra entender o que eles querem. Mesmo assim, gosto deles, afinal, papai e mamãe são adultos! Tudo bem que eles brincam comigo, mas acho que brincar com os filhos pode... porque eles vivem dizendo que adultos têm que ter responsabilidade, tem que cuidar da família, da casa, do carro... só dos animais que não, eu mesma cuido! E aí volta minha dúvida... será que quando viramos adultos deixamos de cuidar dos animais e passamos a cuidar de coisas? Então, não quero crescer mesmo... vou pedir pro Papai Noel!
Agnes olha para Abacate, Açaí e Amora, dá um sorriso e começa a gritar.
– Mãe! Pai! Quero escrever outra cartinha pro Papai Noel... já sei o que pedir!