quinta-feira, 5 de dezembro de 2019

Contos de uma noite de verão apresenta: Um amor gelado

Ceres tem uma prima que se chama Clóris, a família adora dar às meninas nomes de deusas gregas. O problema é que ela acha que o nome da prima lembra clitóris e não consegue se conter, ri como se ainda fosse uma adolescente.

– Ahahaha... como é que é? 
– É isso mesmo que vocês ouviram... esse nome sempre me inspirou... ahahaha... imaginem nas festas de famíliaBrincava com o nome dela desde criança... aí a gente cresceu e quando descobri as alegrias de possuir um clitóris em meu corpinho adolescente, passei a considerar Clóris o apelido do dito cujo... ahahaha... 

– Como você é maldosa... mas vem cá, você falava isso em alto e bom som? 

– Só uma vez. O almoço de família tava muito chato, então, resolvi chamá-la de clitóris na hora em que serviam a sobremesa... 

– Que sacanagem, Ceres! E aí? 

– E aí nada, Miguel! Levei uma bronca homérica dos meus pais, minha avó ficou sem falar comigo um mês... 

– E sua prima? 

– Eu não a vejo desde então! Foi estudar no Canadá e não voltou mais! 

– Que piadinha devastadora, hein? 

– Ah! Bárbara, eu era adolescente e ela me provocou, disse que eu não teria coragem de falar uma bobagem daquela na frente de todo mundo. Boba foi ela de achar que eu não falaria, meu negócio era fazer piada mesmo... 

– Eu nem vou comentar, porque essa mania de soltar piadinhas sem graça continua. 

– Saulo, não fala assim, o que vão pensar? 

– Que eu tenho uma namorada metida engraçadinha e inconveniente. 

– E põe inconveniente nisso. Ceres, por acaso, você sabe a história da deusa Clóris? 

– Claro que sei, Miguel! Em casa, a gente aprendia mitologia grega antes do bê-á-bá. A história dela é linda, mas eu era uma adolescente, cheia de energia e merda na cabeça, como a maioria. Eu queria tirar sarro da minha prima e ponto! 

Miguel e Bárbara se entreolham, Saulo suspira enfastiado, enquanto Ceres continua com o riso solto, lembrando da cena em família. 

– Ah! Uma noite de verão linda dessas... vamos mudar de assunto, meu? 

– Vamos! Mas esse calor pode ser muito bom em filmes de praia e de aventura, mas a realidade se resume a se desfazer em suor, administrar a preguiça enfiar a cara no ventilador. 

– Nossa, Miguel! O verão é uma estação tão alegre, colorida... 

– Deve ser colorida demais pra mim, prefiro os dias nublados e aquele friozinho convidativo. 

– Eu entendo que essa noite está particularmente quente, difícil de aguentar, mas pra mim o frio me convida a dormir... 

– Você não sabe como eu sofro com isso, amor! 

– Ceres, vamos parar de graça... 

– O que foi, Saulo? 

– Você vai começar a fazer grosseria comigo também? 

– Não se preocupe, Ceres querida! Sei bem de qual sofrimento está falando... também passo por isso. 

– Ah! Vai começar, Bárbara? 

– Vou começar o quê, Miguel? 

– Só as mulheres mesmo pra acharem graça. 

– É divertido brincar de caça ao tesouro, né, Ceres? 

– Concordo, Bárbara! Mas triste é quando encontramos o tesouro totalmente sem brilho, depauperado, castigado pelas baixas temperaturas... 
Bárbara e Ceres caem na gargalhada. Miguel e Saulo vão para a cozinha irritados. E como em Sonho de uma noite de verão, de William Shakespeare, são quatro jovens. A ideia inicial era manter o romantismo, mas esse negócio de relembrar apelidos de gosto duvidoso ou falar sobre temperatura e disposição dos rapazes no inverno mudou os planos do final de semana de calorão. 

– Ceres, você não acha que esses dois estão demorando demais na cozinha? O que o Saulo guarda lá de tão interessanteAlgum artifício para usar no inverno? Ahahaha... 

– Não seja maldosa! Nem vem porque o Miguel também não fica atrás. E não me olha assim, você que disse! 

– Eu disse mesmo! Mas não vamos ficar aqui discutindo assuntos tão pequenos! 

– Ahahaha... concordo, não vale a pena brigar por tão pouco! 

– Ainda bem que eles não estão aqui pra ouvir isso! 

– Se não ia ser outra choradeira! Meninos sensíveis! 

As duas vão até a porta da cozinha, mas são impedidas de entrar. 

– O que estão escondendo? 

– Por que não podemos entrar, Saulo? Eu exijo uma explicação agora! 

– Ah! Ceres, nem vem exigindo nada. Volta lá pra sala que a gente está preparando uma surpresa. 

– Que surpresa é essa que vocês precisam ficar trancados... e sozinhos, Miguel? 

– E quem disse que estamos sozinhos, querida! Estamos acompanhados de nossa surpresa! 

– Não estou gostando muito dessa conversa... vocês estão fazendo alguma coisa proibida? 

– Que coisa proibida, Ceres? Não começa a viajar! 

– Mas espera aí, Saulo! Agora fala, Ceres... que tipo de coisa proibida sua mente de devassa está pensando? 

– Ahahaha... tive que rir, amiga! Mas o fato, Miguel, é que eu também  pensando em mil coisas estranhas... vocês nunca fizeram isso... 

– Isso o quê, Bárbara? 

– Eu sei lá... só não adianta me chamar pra fazer suruba... já falei quem não gosto desse tipo de coisa! 

– Eu nem vou comentar, porque já me chamaram de devassa... as ofensas podem até aumentar... e minha paciência já está começando a diminuir consideravelmente! 

– Não se estressem... estamos preparando uma surpresa... 

– ... porque vocês merecem, amores! 

As duas voltam para a sala e ficam ressabiadas. 

– Não dá pra ficar aqui imaginando merda... 

– Ahahaha... E que merda você tanto imagina, Ceres? 

– Ah! Sei lá, Bárbara,  achando eles animados demais. 

– Não exagera, devem estar preparando uns petiscos e do jeito que são enrolados... 

– Eu não ouvi, mas será que foram comprar alguma coisa? 

– Tipo o quê, Ceres? 

– Uma boneca inflável... 

– Ceres, vou ser obrigada a pedir que volte a fazer terapia... você já tinha parado com esses pensamentos sexuais... 

– Eu parei com esses pensamentos sexuais? Quando? 

– Ahahaha... você entendeu o que eu quis dizer... 

– Eu quero entender o que está acontecendo naquela cozinha! Eu não saí de casa pra vir pra cá, nesse calor do cacete, pra ficar só de conversa? Além do mais,  ficando com fome... e até agora, nada! Daqui a pouco, vou arrombar a porta daquela cozinha e comer a primeira coisa que encontrar pela frente! 

– Não sendo o Miguel, fique à vontade! 

– Ahahaha... palhaça! 

Na cozinha, Saulo e Miguel continuam preparando a tal surpresa. 

– Será que isso vai dar certo? 

– De qualquer forma, elas merecem uma liçãozinha. 

Quando a porta da cozinha se abre, os dois aparecem com um sorriso enigmático. 

– Oba! A surpresa está pronta? 

– Ceres querida, não fique tão ansiosa. 

– Ah! Saulo, para de frescura, vocês nos deixaram aqui na sala, sem comer e sem poder entrar na cozinha. Se eu pudesse já tinha feito um lanche pra aplacar a fome! 

– Você também está com fome, Bárbara? 

– Claro, Miguel. Fomos chamadas para o que seria uma noite inesquecível... 

– Pelo jeito nossa expectativa estava muito alta! 

– Ahahaha... Ceres e sua mania de ironizar tudo! 

– Vamos parar de bobagem... cadê a surpresa? 

Miguel corre para a cozinha, enquanto Saulo resolve desabafar. 

– Já que as engraçadinhas fizeram inúmeras piadinhas com nosso gosto pelos dias frios e as dificuldades que temos em satisfazer as rainhas da rabugice! E, com isso, acabaram estragando todo o clima romântico que planejamos... 

– O que vocês planejaram, Saulo? 

 Bárbara...  achando isso tudo muito sem noção. 

– Pois é Ceres, será que resolveram se rebelar logo em uma noite de verão? 

Saulo pede que esperem e corre para a cozinha. 

– Aproveitando o estilo empata clima de vocês, resolvemos fazer nossa versão do clássico shakespeariano.  

– Contos de uma noite de verão apresenta: um amor gelado! Nada de beijos e abraços, o que a gente quer mesmo é passar a noite com essa enorme taça de sorvete, assistindo a um jogo de basquete, que aliás já vai começar. Ah! Vocês podem ficar com a sala e a cozinha. Vamos assistir na televisão do escritório. 

As duas ficam impressionadas com o tamanho das tais taças que eles prepararam. 

– Saulo, nada mais sexy que tomar sorvete... deixa eu te ajudar! 

– Você vai dividir essa taça enorme comigo, é isso? Ah! Que surpresa romântica, Miguel! 

– Dividir? Não mesmo! Deu muito trabalho escolher os sabores e arrumar nas taças. 

– E cadê a surpresa que vocês disseram que estavam preparando pra gente? 

– Ceres, a surpresa é exatamente essa. Da próxima vez que tiverem vontade de nos humilhar, pensem nessa doce noite de verão! Fiquem à vontade, tem várias opções de lanche na geladeira. 

– Só não tem mais sorvete! 

– Ah! Mas tem água gelada! 

Os dois caem na gargalhada e correm para o escritório. 

 Só espero que eles percebam a Comédia dos Erros que estão encenando, Ceres! 

 Vem comigo, Bárbara! Vamos mostrar pra eles que não é só no reino da Dinamarca que há algo de podre...  

 O que você está pensando, Ceres? 

 Sacanear ou não sacanear, eis a questão!

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