Irritada, ela aperta os olhos para tentar ver quem se aproxima, mas não consegue… miopia é isso, à distância todos são um só… borrão! Ahahaha… que bom que ela ainda consegue rir de si mesma num momento de tensão como este. Com o medo falando mais alto, ela corre até a área de serviço e pega uma vassoura de piaçava, pelo menos, pode tentar dar umas pauladas, caso seja necessário se defender. O instinto de sobrevivência, quem sabe, a orientará na hora certa, afinal, ela nunca deu nem um catiripapo em ninguém, quanto mais pauladas.
De vassoura em punho, ela tem os olhos pregados no cesto do helicóptero, que paira sobre seu quintal. Quem será? Será que errou de endereço? Eu não estou esperando ninguém pelos ares, nem que um homem caia do céu pra mim… ahahaha. Rindo de nervoso, ela agarra o cabo da vassoura com força e dá um gemido, daqueles bem sentidos. Não acredito, isso é hora de uma farpa resolver espetar meu dedo? Se fosse só espetar, mas pela dor aguda, deve ter enfiado na pele, mas agora não posso pensar nisso, aguenta aí dedo, tenho que descobrir o que quer essa visita inoportuna. Neste momento, o helicóptero baixa mais um pouco, provocando uma enorme ventania, que faz com que seu lenço de cabeça se desamarre e saia voando pelo quintal, sorte que foi contido pelo galho de uma de suas árvores. Pelo menos, não se perdeu por aí. A cesta aterrissa, delicadamente, no gramado e ela fica impressionada com o que vê. O leitor deve estar pensando, um ET! Não, não parecia um extraterrestre, mas pela beleza poderia ser definido como “de outro mundo”.
Com um sorriso enorme no rosto, ele sai do cesto com um envelope azul em uma das mãos e uma mochila na outra. Sem conseguir segurar a curiosidade, ela pergunta, com a voz trêmula: quem é você? Eu te conheço? Mais um sorriso iluminado se abre, marcando covinhas encantadoras no rosto dele. Você me conhece? Sou fruto de sua imaginação! Como assim? E o helicóptero? Também! Não estou entendendo, por acaso, essa farpa no dedo e meu lenço agarrado na árvore são minha imaginação? Não fique nervosa. Eu não estou nervosa, só quero entender o que está acontecendo! Será que minha vizinha de quase um século de vida me deu um bolinho batizado hoje pela manhã? Claro que não! Não tem nada claro pra mim, aliás, tá tudo nublado. Não estou entendendo… peraí… cadê o helicóptero? Ele abre os braços, encolhe os ombros e dá um sorriso sem graça.
Ao fundo, a voz de sua mãe interrompe a conversa. O som da televisão está tão alto que parece que esse helicóptero tá sobrevoando nossa casa! Abaixa isso, menina! A mãe aparece na porta da sala segurando a forma do famoso bolo de maracujá e ela fica estarrecida, não pela sobremesa que exala um aroma delicioso pelo ambiente, mas pelo fato de tudo aquilo ter sido… Desculpa, mãe, não percebi que a TV estava com o som tão alto. Como consegue se concentrar no tricô desse jeito? Que cara é essa, menina? Nada... só minha imaginação fértil atacando de novo! :)
* O delicado e despretensioso desenho que ilustra esta crônica encomendei do meu irmão Gé (Gerson Donato)! Obrigada pela gentileza e parceria ❤️
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