Ágata sai batendo a porta da sala de reunião. Aos poucos, o constrangimento dá lugar a comentários quase sussurrados.
– Eu não sei porque ela teve essa reação explosiva.
– Nem eu... ela tá ficando impossível. Daqui a pouco, vamos ter que amarrá-la na cadeira pra conseguir terminar uma reunião como uma empresa respeitável ou, no mínimo, normal.
– Olha, se a gente pensar bem, ela até tem razão...
– Como assim? Estamos aqui para uma reunião emergencial e ela simplesmente sai assim batendo a porta só porque alguma coisa a desagrada? Por favor, me poupem... se eu fosse sair batendo a porta pelas coisas que me desagradam, essa empresa não teria mais portas!
– Eu não sei porque ela teve essa reação explosiva.
– Nem eu... ela tá ficando impossível. Daqui a pouco, vamos ter que amarrá-la na cadeira pra conseguir terminar uma reunião como uma empresa respeitável ou, no mínimo, normal.
– Olha, se a gente pensar bem, ela até tem razão...
– Como assim? Estamos aqui para uma reunião emergencial e ela simplesmente sai assim batendo a porta só porque alguma coisa a desagrada? Por favor, me poupem... se eu fosse sair batendo a porta pelas coisas que me desagradam, essa empresa não teria mais portas!
– Eu sei... não concordo com a atitude, mas pensa bem... essa proposta do presidente é de lascar, pra falar o português claro.
– Mas é uma proposta e temos que discuti-la.
– E sendo do presidente, temos que, pelo menos, disfarçar que é boa... ahahaha...
– Ivo, você devia dar a mão pra Ágata e bater a porta juntos.
– Ah! Eu adoraria...
– Ahahaha... pena que ela não tá nem aí pra você.
– Não precisa ser cruel... e pensando bem não quero bater a porta nem com ela nem com ninguém...
– É melhor a gente voltar ao assunto principal dessa reunião, porque esse verbo bater pode fazer a história descambar pra baixaria.
– Ahahaha... mente poluída!
– Vamos parar de surto de adolescência tardia!
– Adoro quando o Celso acaba com nossa graça e ainda nos credencia para uma sessão com o analista.
– Ah! Mas que vocês poderiam fazer terapia, podiam...
– Ó, Ivo! Lá vem ele de novo tentando vender o trabalho da esposa... ahahaha
– Ahahaha... interesseiro!
– Por favor, Ivo, Celso e nosso irreverente Denis chega de conversas paralelas e vamos continuar a discussão, mesmo sem Ágata. Depois ela será advertida e, inclusive, não terá poder de voto na decisão final.
Os três se entreolham desanimados. A dona da voz é a diretora-geral da empresa. Cacilda é uma mulher forte, uma ótima profissional, mas como diz Ágata, sem um pingo de bom humor, o que torna impossível uma conversa no bar, imagine uma discussão de trabalho.
No saguão do prédio, Ágata tenta se acalmar, mas não consegue disfarçar para Abigail.
– Saiu da reunião soltando fumaça pelas orelhas, menina?
– Oi, dona Abigail... desculpe, mas estou realmente furiosa.
– Se eu não te conhecesse, empunharia essa vassoura como arma pra me defender dessa fúria.
Ágata dá uma risadinha sem graça e pra compensar tenta dar um abraço na faxineira.
– Não! Eu tô suada, menina! Não precisa vir me abraçar, tô brincando. Tá na cara que você se irritou de novo com esses malucos que adoram uma reunião.
– Ah... Abi! Reuniões não me irritam, são necessárias e até as inúteis servem pra gente entender como as pessoas são realmente babacas. Mas é que hoje foi demais, projeto absolutamente sem noção.
– Ih! Do presidente de novo?
– Ahahaha... pois é. Vou andar um pouco pra acalmar.
– Vai... e se acalme mesmo, nenhuma ideia de jerico vale mais que sua saúde!
– Obrigada! Vou deixar o abraço pra depois, mas prepare-se, porque da próxima vez vou ser mais rápida!
Abigail cai na risada e volta a limpar o chão, enquanto Ágata sai apressada. Quando está quase na calçada o porteiro grita chamando sua atenção.
– Hoje, tá quente demais. Parece até que o segundo sol chegou! Onde você vai, menina?
– Oi seu Júlio, vou caminhar um pouco.
– Cuidado pra não se queimar e virar um pimentãozinho, hein?
– Ahahaha... pode deixar, tenho protetor aqui na bolsa!
Júlio fica alguns segundos olhando Ágata desviando das pessoas apressadas. Quando ela vira a esquina, ele volta a seu posto de trabalho.
– Vai andar na praia com esse calor?
– Praia, calor... onde está o absurdo?
– No sol de quase 40 graus!
– Por favor, tia... o termômetro está marcando 33 graus...
– Você sabe o que é sensação térmica?
– Ahahaha... sei!
– Tá bom, vai! Só te digo uma coisa... não vou cuidar das bolhas que você ganhar nas solas dos pés, entendido?
– Bom dia, minha tia querida!
Ágata segue em direção à praia, pensando em como é complicado trabalhar numa empresa que fica a poucos quarteirões de onde mora sua tia. Tudo bem que dona Gertrudes é uma querida, mas essa mania de dar bronca por causa da única vez teve bolhas irrita a sobrinha.
– Se eu ainda queimasse os pés durante todo o verão, tudo bem!
– Nossa, menina! Que ideia mais besta!
Ela não percebe que falou alto e se assusta com o mendigo indignado.
– Tanta coisa pra querer, quer queimar os pés? Eu sei muito bem o que é isso e posso te garantir que andar com os pés descalços nesse verão não é nada agradável.
– Ah! Mas você tá de sapato!
– Ganhei ontem da dona Gertrudes que mora naquele prédio perto da padaria...
– Gertrudes?
– É... por quê?
– Nada. Mas então não me venha falar de pés queimados.
O mendigo faz uma cara de quem venceu a batalha, tira os sapatos e mostra os pés esfolados.
– Ai... que dor!
– Agora você concorda com minha opinião especializada, né, menina? Mas não grite de dor, porque ela é toda minha.
– Desculpe... melhoras!
Ágata atravessa a avenida, ainda arrepiada de aflição pelas feridas nos pés do mendigo.
– Eu não sei as outras pessoas, mas comigo acontece cada uma. Deixa eu trocar meu sapato pelo chinelo pra não queimar os raios dos pés.
Na orla, Ágata se aproxima do quiosque e o dono abre um sorriso.
– Bom dia, Ágata! Ih! Pela carinha... tá precisando relaxar um pouco.
– Ah, seu Flávio... tô muito irritada. Posso deixar minha mochila aqui pra passear sem a preocupação de molhar minhas coisas?
– Claro!
Ágata deixa a mochila no balcão e vira para olhar o mar.
– Espera aí! Você não vai mergulhar com essa roupa, né?
– Não! Vou ficar na pontinha... esqueceu que não sei nadar?
– É mesmo... sempre é tempo de aprender!
– Tô sem tempo, seu Flávio.
– Para de reclamar... depois venha tomar um milk-shake e rir um pouco comigo!
– Opa! Pode deixar.
Ela segue em direção ao mar sem os chinelos, por isso, dá uma corridinha pra evitar as temíveis bolhas nos pés.
– Ai... que gostoso... a água está ótima... Que bom... esse cantinho aqui é só meu... ninguém jogando bola, nem pegando onda, nem gritando... perfeito!
Sorrindo, Ágata arregaça as calças até o joelho e entra devagar no mar só até a água bater no meio da canela.
– Essa brisa do mar é tudo que eu preciso agora pra acalmar.
Ela fica ali aproveitando o momento de reflexão, olhando o horizonte, quando uma onda mais forte vem e a derruba de costas.
– Caramba!
Quando está quase em pé, mais uma onda e ela cai de joelhos.
– Eu sei que eu devo estar com a energia meio carregada, mas não precisava me molhar desse jeito...
Aos poucos, o mar recua e a faixa de areia molhada aumenta, conchinhas aparecem e uma brisa suave bagunça os cabelos de Ágata.
– Sabe de uma coisa? Vou tomar o milk-shake do seu Flávio... depois tento passear mais um pouco.
Ela senta em um banco no balcão do quiosque.
– O que é isso, menina? Você não disse que só ia molhar os pés?
– Pois é... mudei de planos.
– Tomou foi um caldo... ahahaha.
– Na verdade dois!
– Agora, relaxe que vou bater o melhor milk-shake de toda cidade, do país... quiçá do mundo!
– Ahahaha... das galáxias! Ah! Essa taça enorme e seu conteúdo sagrado!
– Fique à vontade... vou atender os clientes e já volto, certo?
Ela sorri e esquece do mundo saboreando o milk-shake.
– Mas me diz uma coisa... você vai voltar ao escritório assim toda molhada?
– Não, seu Flávio! Vou passar na minha tia antes.
– Você já avisou sua tia?
– Por quê?
– Porque ela costuma ir passear com as amigas naquela casa de chá que abriu no shopping!
– Ah! É? Abriu uma casa de chá no shopping?
– Você tá trabalhando demais, menina! Faz uns seis meses que abriu!
– Nossa! Mas ela vai lá todos os dias?
– Ela sempre passa por aqui toda alegre... várias vezes por semana, mas sei lá se todo dia.
– Vou ligar pra ela então.
– Acho melhor você correr... olha ela entrando num carro em frente ao prédio.
– Ah! Não...
Ágata corre em direção à tia, mas não consegue chegar a tempo. E volta para o quiosque cabisbaixa.
– Pois é... você tem que pensar que as pessoas tem suas rotinas...
– Não fale assim comigo, seu Flávio! Gosto que minha tia velhinha tenha uma vida social agitada, mas precisava ser hoje?
– Olha que se continuar assim malcriada e egoísta vai tomar outro caldo quando voltar pra água.
– Não falei por mal, mas é que se eu voltar para o escritório toda molhada, desleixada... não quero pensar.
– Ah! Tome uma ducha na praia mesmo e depois vá a uma loja e compre uma roupa... é o jeito.
– Será que não é melhor eu ir pra casa?
– Claro que não... você tem que voltar depois do almoço... não dá tempo... você mora do outro lado da cidade.
– Que merda!
– Vai relaxar um pouco no mar, aproveita e pensa em como ser menos impulsiva.
– Vou tentar relaxar um pouco...
Ágata pisa na areia fofa, quente como uma chapa de lanchonete, e corre até a faixa de areia molhada.
– Ai! Vamos lá... só preciso de um pouco de sossego.
O mar está calmo, as ondas chegam com delicadeza. Quando Ágata consegue relaxar, ouve uma voz irritantemente familiar. Ela olha para o lado e surpresa... o diretor-presidente da empresa querendo discutir o tal projeto com o mar. Na hora, ela só pensa em se esconder, não tem a menor intenção de cumprimentá-lo, quanto mais conversar com o chefe. O que fazer? Mergulhar e nadar pra longe? Mas ela não sabe nadar! Pegar carona com algum surfista? Sem chance, não tem ninguém por perto... só o chefe... que, neste instante, está olhando pra ela.
– Olá, Ágata! Você se molhou?
– Bom dia, senhor Astrogildo! Tudo bem... está calor mesmo, daqui a pouco vou trocar de roupa pra voltar ao trabalho.
– Não se preocupe, você está na hora do seu almoço, querida! Meus funcionários fazem o que quiserem na hora do almoço, desde que não seja nada ilícito... ahahaha...
Ágata dá um sorriso sem graça e quando pensa em se afastar do chefe, ele começa a falar sem parar.
– Não vá embora, eu estava aqui conversando, não com os meus botões, mas com o mar... minha avó sempre dizia que a água salgada tira qualquer nhaca da gente.
– Faz bem mesmo...
– Pois é, mas fiquei muito tenso hoje pela manhã. Inclusive, me contaram que alguém da diretoria foi embora da reunião batendo a porta. Que coisa! Eu pensei que meu projeto era perfeito... tudo bem, não digo perfeito, mas pra esse momento era o ideal. Só não entendo porque as pessoas insistem em se estressar ao invés de discutir, colocar suas ideias, apresentar seus argumentos, ia ser tudo mais fácil! Mas elas preferem fazer uma guerra. Eu sei, eu não sou fácil, já dizia minha mãe, meu pai, meus avós, meus tios e tias, meus primos, alguns amigos, algumas mulheres que conheci ao longo dos anos, desconhecidos e vários funcionários, mas pensei que pelo menos minhas ideias eram ok! Aliás, esse negócio de “você não é fácil” sempre me intrigou! Qual o problema de não sermos fáceis? Ou melhor, quem é fácil nesse mundo, pombas?
Neste momento, uma onda quase derruba o eloquente Astrogildo, mas Ágata o ajuda e ele continua seu desabafo.
– Antes só me diga uma coisa... porque você não está com uma roupa mais apropriada, querida?
– Ah! Na verdade, eu não ia vir para a praia, mas acabei...
– Ih! Tá com cara de quem se irritou com alguma coisa e veio se acalmar olhando o horizonte, acertei?
– Isso mesmo.
Ágata não se conforma que o chefe não se toca que ela estava na tal reunião, foi quem saiu batendo as portas e provocou o adiamento da reunião para depois do almoço.
– Como eu ia dizendo, Ágata! Minha diretoria é formada por grandes profissionais, mas sem nenhum jogo de cintura...
O homem está tão nervoso que nem lembra que a funcionária com quem está conversando agora faz parte de sua diretoria.
– Eu só acho eles muito radicais... e eu já percebi, é só eu apresentar um de meus projetos revolucionários, pronto... alguém se estressa e as reuniões são interrompidas e adiadas. Só agradeço por eles não serem violentos... só precisam ficar histéricos por alguns minutos e tudo bem, sempre voltam à próxima reunião sorridentes. Eu sei que os sorrisos nem sempre são sinceros... aliás, desde quando comecei a trabalhar como auxiliar de escritório percebi que a maioria dos sorrisos no ambiente de trabalho são falsos mesmo e não há o que podemos fazer. Mas a verdade é que todos dizem que trabalho é responsabilidade, é lugar de gente séria... ah... eu não acho. É tão bom trabalhar satisfeito com um sorriso no rosto... ou será que isso é lenda? Ahahaha... sei lá.
Ágata tenta se despedir mais uma vez. O chefe parece que está se apresentando num palco.
– Por favor, não vá embora. Só mais uma coisa... você sabe quem saiu da reunião batendo a porta?
– Não sei...
– Como não sabe? Você faz parte da diretoria! É mesmo, você faz parte da diretoria e eu aqui dizendo que meus diretores não têm jogo de cintura e ficam histéricos com meus projetos... desculpe...
– O que é isso, seu Astrogildo! O senhor estava aí fazendo um discurso... quer dizer, refletindo... eu que estou atrapalhando seu momento de lazer.
Ágata estende a mão para o chefe, que a aperta como se fosse arrancar seus dedos, e corre para o quiosque.
– Seu Flávio, minha mochila, rápido!
– O que foi, Ágata! O que você viu na praia?
– Meu chefe...
– Que menina sortuda!
– Vou me lavar e comprar uma roupa agora mesmo. Preciso voltar pra empresa rápido.
Ela acena para o dono do quiosque e corre. Depois de um banho de ducha na praia e uma passada na loja de roupas, Ágata entra na empresa, apressada como sempre. Júlio, o porteiro, cumprimenta-a com um sorriso.
– Agora você não me escapa, Abigail!
Ágata deixa a mochila e as sacolas no chão e abraça a funcionária da limpeza.
– Menina... o que foi? Só assim no susto pra você me abraçar... estou suada!
– Ah! Deixa de ser boba, você está trabalhando... e eu sei lá o que vai acontecer comigo depois dessa reunião, com aquela diretora-geral mostrando as garras.
– Fique calma... você é uma ótima profissional. A melhor da diretoria... não me olhe assim, essa é minha opinião!
– Obrigada, querida! Torça por mim!
– Sempre!
Enquanto isso, na sala de reunião. Astrogildo, o diretor-presidente, espera para começar a discussão de seu projeto.
– Vamos retomar. Eu pedi que todos estivessem presentes, inclusive, a pessoa que se inflamou e saiu hoje cedo da sala de reunião.
Ágata entra com cara de quem queria estar bem longe dali.
– Você? Tão ponderada... tão sensível...
Os cochichos aumentam na sala. O diretor-presidente dá um tapa na mesa.
– Decidi agora adiar essa reunião para amanhã cedo!
Ágata se assusta, todos olham pra ela, alguns com um sorriso irônico, outros preocupados.
– Desculpe, eu posso sair se não me quiser nesta reunião.
A diretora-geral que tinha dito pela manhã que ela não ia participar mais das discussões do projeto em questão, suspira aliviada. Mas o diretor-presidente volta a bater na mesa.
– De jeito nenhum! Vamos fazer a reunião em um quiosque na praia, amanhã, às 7h. Quem não comparecer, pode passar no RH.
Cochichos, risadas e algumas frases indignadas enchem a sala. O diretor-presidente dá uma piscada para Ágata e liga para a secretária.
– Isso mesmo, dona Agripina! Marque a reunião para amanhã! E mande mensagem a todos da diretoria. No assunto? Conversa com o mar.
Nenhum comentário:
Postar um comentário