Então, ele entrou na livraria e deu de cara com seu autor preferido. O homem, alto e tímido, tentava se esconder da fama entre os livros, quando quase foi abraçado pelo leitor.
– Desculpe, mas admiro demais o senhor! Pode me dar um autógrafo?
O escritor tira uma caneta do bolso.
– Claro... você tem papel?
– Tenho algo melhor! Trago sempre comigo seu primeiro livro, publicado há mais de 20 anos... está meio castigado, mas definitivamente é um dos meus prediletos!
– Nossa! Fico lisonjeado...
– Lisonjeado! É demais... por isso, sou seu fã incondicional! Você é extraordinário!
– Não exagere... existem muitos escritores melhores do que eu.
– Eu não acho! Pra mim, tu és o melhor!
Constrangido, o escritor pega o livro para fazer a dedicatória, enquanto o leitor observa encantado.
– Pronto! Espero que goste.
O leitor pega o livro com as mãos trêmulas e quando lê fica tão emocionado que não segura as lágrimas. O escritor fica sem ação.
– Posso tirar uma foto com você e meu exemplar histórico, agora autografado?
Tentando disfarçar a falta de vontade, o escritor responde que sim. Depois de tirar uma selfie desajeitada e rindo quase que descontroladamente, o leitor olha ao redor e vê um homem, no mínimo suspeito, na porta da livraria. Quando pede ao tal sujeito que tire uma foto dos dois, está tão animado que nem percebe que o escritor tenta impedi-lo.
O homem se aproxima calmamente. Com um sorriso enigmático, pega o celular e quando autor e fã fazem a posa mais tensa que já se viu, pelo menos por parte do escritor, o homem vira rapidamente e começa a correr. Mas antes que consiga chegar à porta, o leitor ensandecido olha para uma pilha de livros ao lado e, sem pensar, joga uma edição luxuosa de Os Lusíadas e acerta em cheio a cabeça do homem, que cai desacordado.
O dono da livraria grita horrorizado.
– O que você fez, seu aloprado?
– Ele ia roubar meu celular e, pior que tudo, a foto que acabei de tirar com meu escritor preferido! Eu sei que estava meio tremida, mas é o primeiro registro que consegui em anos de tentativa.
– E precisava ter jogado essa edição dos Lusíadas? É o xodó da loja... chegou há pouco.
– Não se preocupe, eu pago o prejuízo...
Enquanto leitor e livreiro discutem os termos para o pagamento do prejuízo material. Abalado, o escritor continua parado, indignado com a cena. O homem que tentou roubar o celular continua desacordado, caído do lado de dentro da loja.
– Parem de discutir! Tem coisa mais importante com que nos preocupar! Você feriu esse homem. Chamem uma ambulância!
Os dois param de falar e olham incomodados para o escritor, quase em pânico.
– Nada é mais importante que minha edição de luxo de Os Lusíadas!
– Nada é mais importante que meu escritor preferido e suas obras fantásticas! E, mais do que isso, faço tudo para proteger a foto que tirei com o autor de obras fantásticas!
Desorientado, o escritor sai da livraria no momento em que chega a ambulância. A calçada, sempre pacata, está tomada de curiosos que se aglomeram para saber o que aconteceu.
– Esse mundo está um perigo, não se pode nem ir a uma livraria!
– Eu ouvi que o cara ia roubar um exemplar dos Lusíadas!
– Não, Os Lusíadas foi a arma utilizada para acertar o canalha!
Neste instante, um mendigo se aproxima do tumulto, com dois livros embaixo do braço. Ele olha para o homem caído na entrada da livraria e o reconhece, vira para as pessoas e diz solenemente.
– Eu disse tantas vezes que a falta de leitura ainda ia matá-lo... ah, mas pelo menos, foi com um clássico!
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