Uma indiazinha chamada Potira, de cinco anos, e seu irmãozinho, Rudá, de apenas três, assistem ao ataque implacável do homem branco à tribo. Escondidos na floresta, veem o fogo e a destruição. Aflitos, ouvem os primeiros tiros e cobrem o rosto com as mãozinhas. E ficam ali, na companhia de árvores e alguns animais tão assustados quanto eles.
Em poucos minutos, a aldeia é dizimada... e a terra do pau-brasil torna-se cada vez mais a terra do garimpo, dos pastos e lavouras. A ganância continua vencendo e destruindo os povos indígenas, a fauna e a flora.
Quando o barulho dos tiros cessa, a floresta tenta se acalmar e os pássaros voltam a cantar timidamente. Mas o vento traz o cheiro sufocante da fumaça e o indiozinho chora abraçado à irmã.
– Vocês percebem como a floresta é a vida dos povos indígenas? Desde pequenininhos são preparados para defender sua aldeia, respeitar os animais, as árvores e toda a natureza onde estão inseridos. São conscientes sobre a importância do meio ambiente, nascem em harmonia com as coisas da terra.
A classe está totalmente envolvida com a história. Mas a curiosidade de Edu é maior e ele resolve perguntar.
– Mas professora, como termina a história? A Potira e o Rudá reencontraram sua família?
A professora respira fundo e não consegue disfarçar a tristeza no olhar. O fato é que quando tudo parecia calmo na floresta, Potira e Rudá resolveram voltar para a aldeia ou para o que sobrou dela. Assustados, correram gritando pelos parentes, sem ouvir resposta. Ficaram paralisados vendo tudo destruído, corpos espalhados por todos os lados, alguns mutilados. Potira tenta esconder de Rudá, mas o indiozinho vê os pais caídos sem vida. Os dois se abraçam e caem no choro. Neste instante, dois homens mal-encarados se aproximam e antes que tivessem qualquer reação, os indiozinhos são executados sem piedade.
– Mas que triste! Eram tão pequenos...
– Infelizmente, o extermínio começou em 1.500 e segue com a mesma intensidade vitimando nossas populações indígenas.
– Mas, professora, a senhora não disse que eles já estavam aqui quando o Brasil foi descoberto? Então, eles são os verdadeiros donos, deveriam ter direito à terra.
– Verdade, Edu. Por isso, as entidades que defendem os povos da floresta são tão importantes, mas precisam do apoio de todos nós, porque é muito difícil lutar contra o poder econômico.
– Mas a vida dos índios e de todas as pessoas não deveria ser mais importante que o dinheiro?
– É mais importante! O problema é que existem muitos interesses envolvidos, mas isso fica para a próxima aula. Agora, quero que vocês pensem em casa e reescrevam a conclusão desse relato em dois parágrafos. Como vocês acham que teria que ser o desfecho dessa história, qual o destino que vocês dariam para Potira e Rudá?
Naquele dia, Edu ficou quieto durante todo o trajeto da escola até em casa. A mãe estranhou, mas preferiu deixar para perguntar depois, porque a caçula Léa estava tão animada que não parava de contar suas aventuras.
– Filho, onde você vai?
– Tenho lição de casa pra fazer...
– Ué, mas todos os dias você tem!
– Mãe, posso fazer antes de tomar banho? Só hoje...
– Tudo bem, vou colocar a Léa no chuveiro e já venho pra gente conversar.
– Posso fazer a lição antes de conversar?
– Que pressa é essa de fazer a lição, filho? Não quer tomar banho e descansar um pouco antes?
– Não! Preciso fazer agora, estou com as ideias prontas, preciso escrever.
– Nossa, estou curiosa pra saber qual é essa lição.
– Só depois, mãe... pode ser?
– Claro que pode! Vai lá, meu estudioso preferido!
Edu corre para o quarto, enquanto a mãe fica no meio do corredor rindo, mas com cara de interrogação. O menino joga a mochila no chão, pega papel e lápis na escrivaninha e começa a rascunhar os dois parágrafos que, na sua opinião, seriam o melhor destino para os indiozinhos.
– Eu tenho uma irmãzinha, como Potira tem Rudá... e se fosse com a gente? Que horror... acho que a mãe não vai gostar dessa lição, mas tudo bem... agora vou reescrever a história. Vou continuar da hora em que Potira e Rudá voltam pra aldeia e ficam tristes vendo tudo destruído.
“Depois de ver a tribo atacada, Potira abraça Rudá. Mesmo sabendo que agora vai ter que cuidar mais ainda de seu irmãozinho, ela se sente forte, porque aprendeu que na floresta um índio nunca está sozinho. Potira caminha com dificuldade, tentando encontrar coisas no meio do que sobrou da aldeia, sempre seguida de perto por Rudá, que continua muito assustado.
De repente, um barulho de alguém pisando nas folhas secas, faz Potira estremecer de medo e a indiazinha agarra a mão do irmão. Quando os passos se aproximam mais, ela abre um sorriso iluminado. É sua mãe! Está viva! E não está sozinha, o pajé também está com ela. A mãe abraça Potira e pega Rudá no colo. O pajé sorri para as crianças, mas fica em silêncio. O curumim pergunta pelo pai. A mãe olha para o pajé, que respira fundo e explica para os irmãos: não fiquem tristes, a flor (Potira) e o deus do amor (Rudá) vão reerguer nossa aldeia, mesmo que demore, o tempo vai se tornar insignificante diante da beleza de nossa tribo renascendo. Sejam fortes, sigam as marcas no chão que vocês vão encontrar abrigo em uma aldeia próxima, eles estão esperando por vocês. Curiosa, Potira pergunta se eles não vão junto. A mãe coloca Rudá no chão, beija a testa dos filhos, o pajé coloca as mãos sobre a cabeça de cada um dos indiozinhos e depois ambos somem na floresta. Calma, Rudá... a mamãe só veio se despedir da gente, eles não estão mais aqui... vamos ter que ir sozinhos mesmo. Não se preocupe, vamos conseguir... os espíritos vão nos guiar e proteger. Não chore, vem... vamos refazer nossa aldeia em homenagem aos nossos ancestrais, como a mãe, o pai e o pajé nos ensinaram. Vamos defender a mata, os rios, as cachoeiras, os animais... nossa terra! E mesmo que muitos não nos respeitem, somos brasileiros e estamos prontos para defender nossa gente. Salve os guerreiros povos indígenas”!
No dia seguinte, Edu acorda antes da hora e aparece na cozinha de uniforme e banho tomado.
– Filho! Bom dia! Já pronto? Tomou o banho direitinho?
– Bom dia, mãe! Tomei banho como todos os dias, bem menos animado do que se fosse em um rio, no meio de uma floresta!
– Ahahaha... está animado com esse assunto indígena, hein?
– Não é pra rir, mãe! Os índios é que sabem viver em harmonia com a natureza!
– Eu sei, Edu! Concordo com você. Mas por favor não fique tão triste com essa história. Eu li sua lição, inclusive o texto que a professora leu pra vocês.
– Como não ficar tão triste, mãe? Você sabe lá o que é perder a família toda por causa de ganância... essa palavra é tão feia, feia como seu significado...
– Ah! Filho... tente não se abalar demais com o monte de coisa errada que tem aqui e no mundo...
– Mãe... a senhora ouviu o que acabou de dizer?
– Calma, filho... eu quis dizer...
– ... que eu não tenho que me preocupar com injustiça e maldade? Que espécie de homem a senhora pensa estar criando?
– Você tem oito anos, Edu!
– E por acaso não vou crescer e me tornar um homem adulto?
– Vai, mas tem tempo pra isso...
– Mãe... como assim? Se eu já vou pra escola, se já posso escrever o final que acredito ser o melhor para os índios dessa história, é sinal que já tenho opinião... e não vou ser esperar pra pensar em como o ser humano é injusto e violento!
– Edu! Às vezes, você me assusta.
– Por quê?
– Está muito maduro para sua idade... será que não está apressando as coisas?
– Não entendo. Pensei que minha mãe gostaria que eu pensasse além dos games e da hora do recreio.
– Edu... toma seu café, vou arrumar sua irmã!
– Por favor, não quero me atrasar pra aula hoje.
A mãe faz uma careta e vai buscar a caçula, que deve estar dormindo profundamente como todas as manhãs.
– Incrível, mas minha mãe consegue fazer mais caretas do que eu e minha irmã juntos! Ela deve estar precisando de férias!
Na sala de aula, Edu está ansioso para mostrar à professora a conclusão que escreveu para a história dos indiozinhos Potira e Rudá. E eis que chega sua vez.
– Edu... parabéns! Adorei essa ideia de reconstruir a aldeia... o recado do pajé... que lindo! Você pesquisou?
– Ontem não, só lembrei de tudo que a senhora contou durante as aulas sobre os povos da floresta. Tirei minhas conclusões.
– Estou abismada!
– Não vai me dizer que estou muito novo pra ter essas ideias!
– Claro que não! Agora é a hora em que o cidadão é formado. Eu já disse a vocês, a escola é e deve continuar a ser uma porta aberta para o conhecimento, a formação de opinião, a pesquisa!
– Agora fiquei preocupado...
– Por que, Edu?
– Ah! Professora, agora que estou aprendendo a pensar e querendo estudar cada vez mais, a senhora diz que a escola deve continuar assim... por quê? Por acaso ela está em perigo?
– Estou adorando seu entusiasmo, Edu! Mas vamos deixar essa conversa para uma outra aula. Mas faço questão de discutir os rumos da escola com vocês. Agora, vamos continuar a ler como cada um concluiu a história.
Edu fica pensativo, mas continua animado com a aula. Na volta para casa, mais uma vez, a irmã caçula fala mais que a boca, contando suas aventuras na escola, e ele fica quieto.
– Pronto! Sexta-feira! Podem brincar um pouco antes de tomarem o banho! Só vamos tirar esse uniforme!
Minutos depois, Léa já está correndo pelo quintal, espalhando brinquedos e bonecas por todos os lados. Edu continua pensativo.
– Filho, vem cá! Conta pra mãe, como foi a aula?
– Foi boa, a professora gostou da minha conclusão, elogiou... mas depois me deixou preocupado.
– Por que, Edu?
– Ah! Ela deu a entender que a escola está em perigo!
– Como assim, filho?
– Ela disse que a escola é uma porta sempre aberta para o conhecimento, a formação de opinião e pesquisa, mas não quis dizer porque isso pode mudar.
– Não pense nisso, continue estudando.
– Mãe, fiquei pensando e acho que a professora tem razão. Do jeito que as coisas estão, com a falta de respeito com os índios, com muitas pessoas pobres passando fome, se os adultos que podem decidir alguma coisa não fizerem nada, podemos perder nossa capacidade de pensar... não quero ser um adulto desmiolado!
– Por que está falando isso? Você vai continuar estudando e vai ser um adulto brilhante!
– Mas outro dia, ouvi o pai falando que o mundo está cada dia mais cheio de gente sem nada na cabeça... vazios...
– Ele estava nervoso...
– Por favor, mãe, não me enrole. A senhora sabe muito bem que os dias estão cada vez mais sombrios!
– Filho, para com isso... não vou mais deixar você assistir filmes com seu pai!
– É isso o que os poderosos querem, mãe! A gente precisa resistir, pensar, ter ideias pra melhorar o mundo! Sabe o que eu queria?
– O que, filho!
– Que os índios fossem respeitados... eles sabem cuidar e respeitar a natureza...
– Eu sei, filho! Mas não cresça antes do tempo, continue sonhando. Porque quando você tiver a minha idade, vai sentir saudades de sonhar com o mundo melhor!
– Não há mais tempo pra sonhar, mãe! O mundo provavelmente está bem pior do que quando a senhora tinha a minha idade... as pessoas estão mais intolerantes, até os professores são desrespeitados, a justiça parece não ser mais cega...
O pai entra na cozinha e fica surpreso com as ideias do filho de apenas oito anos.
– Você está ouvindo isso, bem?
– Estou tão boquiaberta quanto você, querido!
– Socorro, quando foi que você cresceu, moleque?
– Não adianta disfarçar, você que anda mostrando filmes que ele deveria assistir aos 15 anos.
– Não exagera! Quero que meu filho desenvolva o raciocínio, seja atento a tudo que a vida apresenta. Ele precisa saber se defender de quem quer a gente assim nessa vida de gado...
– Como, pai?
– Nada, Edu! Vai escovar os dentes. Ou vai se atrasar pra escola!
O menino respira fundo e vai para o banheiro. A mãe olha para o pai com um sorriso no canto da boca.
– Belo trabalho, papai!
– Obrigado, mamãe! A gente combinou que teríamos filhos que se tornariam gente! E acho que estamos conseguindo!
– Concordo!
– Ah! Então é isso, me dá bronca na frente do menino, mas concorda com meus métodos de desenvolver a mente humana?
– Ahahaha... alguém tem que pisar no freio de vez em quando!
Edu volta com a mochila nas costas, trazendo a irmã pela mão.
– Chega de conversa, vamos nos atrasar pra aula!
– Hoje, pai e mãe vão levar vocês à escola!
– Pensei que a gente ia pro parque!
– Léa, não diga bobagens... você tem que desenvolver suas ideias e só a escola pode te ajudar nisso!
– Calma, filho... deixe sua irmã sonhar!
– Inteligente, ela vai sonhar muito mais alto, mãe! Só espero que a escola continue uma porta aberta para o conhecimento, mas vamos ficar atentos... ela pode estar em perigo!
– Não vamos deixar que fechem as portas, filho! Agora, vamos pra escola!
– Pai, você acha que eu e a Léa e nossos colegas podemos fazer um mundo melhor?
– Claro que acredito!
– Mas e crianças como a Potira e o Rudá... também vão ser respeitadas?
– É o que esperamos, filho!
– Eu não quero esperar, pai!
– Calma, Edu! O que eu quis dizer é que temos esperança que isso aconteça!
– Mas o que vocês fazem pra que isso aconteça no futuro?
– Ai, Edu!
– O que foi mãe?
– Vamos pra escola. Não coloque o carro na frente do boi...
– Que boi, mãe?
– Ah! Léa, vamos pra escola!
– Deixa Léa, eles são assim mesmo, só querem que a gente vá pra escola. Eu não quero só ir pra escola, quero ter ideias pra salvar o mundo dos perigos que dizem que estão batendo às portas, não só da escola...
– Filho, a mamãe só quer que você não se atrase pra escola. Depois conversamos.
– Depois pode ser tarde, pai! Quero consertar o mundo ainda hoje!
– Calma... me conte mais sobre os indiozinhos daquela história.
– Aqueles eu não consegui salvar, pai! Mas me aguarde...
– O que você está pensando?
– Precisamos salvar a vida dos povos da floresta! Os índios são guardiões das matas, precisamos deles pra que nosso país continue sendo o pulmão do mundo...
– Ah! Filho, eu já ouço o mundo com uma tossezinha chata...
– Como assim, pai?
– Chega de filosofar vocês dois! Vamos pra escola!
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