Rosa chega correndo do colégio, entra na sala tropeçando no aparador e bagunçando os vários porta-retratos da família.
– Cuidado, filha! O que aconteceu?
– Nada mãe, preciso tomar banho e me trocar. A senhora esqueceu que meus amigos vêm lanchar comigo hoje?
– Claro que não esqueci, fique calma! No cardápio, terá até seu amado milk-shake! E o vestido novo está em cima de sua cama!
Empolgada, Rosa toma um banho rápido e coloca o vestido cor-de-rosa. Senta em frente à penteadeira para arrumar um gracioso laço no cabelo. E eis que, de um momento para o outro, a imagem da menina de 12 anos refletida no espelho se transforma na de uma moça de 16 anos. Seu rosto rosado ganha maquiagem, o vestido infantil dá lugar a um modelo acinturado e seus cabelos ganham um belo penteado.
– Gostei! Acho que estou preparada para encontrar o amor da minha vida... ou pelo menos rir com a Mary e o Jeff... Let’s go!
Rosa se apresenta na sala de estar. Veste um belo vestido godê cor-de-rosa com bolinhas brancas, rabo de cavalo impecável, batom carmim, olhos bem marcados com delineador e um sorriso de satisfação que derrete a mãe.
– Que linda! Como você cresceu, filha! Onde eu estava que não vi isso?
– Estava ao meu lado, como sempre vai estar! Não existe mãe mais presente do que a senhora...
Antes que a mãe pense em responder, a conversa é interrompida pela buzina de Jeff.
– Pronto... lá vem esse rapaz roubar minha filhinha!
– Ah! Mãe, não se preocupe! Jeff é só meu amigo. E também vamos passar na casa da Mary... estarei bem acompanhada!
– Tá bom, sweet dreamer da mamãe! Não demore, mas divirta-se! E não abuse, nada de tomar vários milk-shakes... um basta!
– Pode deixar!
Quando abre a porta e vê Jeff em seu Cadillac azul conversível, Rosa abre um sorriso e os dois começam a cantar. A senha para mais uma tarde de rock e milk-shake é a música de Ritchie Valens.
– “Well, come on let's go, let's go, let's go little darlin'. Tell me that you'll never leave me. Come on, come on, let's go again and again and again and again”.
Os dois cantam quase aos gritos. E Jeff enfia o pé no acelerador para buscar Mary. Depois de alguns quarteirões, ele buzina insistentemente e faz uma algazarra em frente à casa da amiga. Quando ela aponta no terraço com sua saia rodada, seus óculos fundo-de-garrafa e sua franjinha displicente, os três cantam animados.
– “Well, come on let's go, let's go, let's go little darlin'. Tell me that you'll never leave me. Come on, come on, let's go again and again and again and again”.
Um dos vizinhos ranzinzas de Mary sai no quintal esbravejando para pararem com a bagunça. Jeff puxa a amiga para dentro do carro e sai cantando os pneus.
O caminho para a lanchonete é sempre animado, Jeff costuma dar algumas voltas pelo bairro, as duas adoram ser vistas no Cadillac. Rosa aproveita o glamour para imaginar mil histórias de amor.
– Só espero que meu pai não reclame desses nossos passeios...
– Por que, Jeff?
– Que pergunta! Porque gastam gasolina, Rosa!
– Nossa, Mary! Tá nervosa?
– Estou preocupada! Da próxima vez, não participo mais desses passeios. Prefiro ir a pé da minha casa.
– Não se preocupe, Mary. Eu estava brincando, meu pai nem sabe por onde ando... ele não se importa comigo, desde que eu não o incomode.
– Não fale assim, Jeff. É muito triste...
– A realidade é triste, Mary! Por isso, vou à Brad’s cantar e dançar meus rocks e comer meus hambúrgueres...
Rosa percebe o clima pesado e resolve descontrair.
– Ah! Eu sei que gasta gasolina, mas desculpem, não posso marcar touca e deixar de andar nesse charme azul conversível!
– Mas você não é fácil, hein, Rosa?
– Não mesmo!
Os dois caem na gargalhada, mas Mary faz uma careta de descontentamento.
– Mas que carinha é essa?
– Ah! Deixa pra lá, vamos mudar de assunto! Rosa, e o Greg?
– O que tem o Greg, Mary?
– Você falou com tanto carinho dele outro dia, pensei que tinha sido eleito o novo amor da sua vida!
– Por que essa ironia de quem vive dizendo que respeita meus sentimentos?
Jeff dá uma brecada quase desmanchando o cabelo das amigas.
– É minha impressão ou vocês vão brigar agora?
– Eu fui ofendida...
– Rosa! Em primeiro lugar, a Mary pode até ter sido desnecessariamente irônica. Mas vou ter que repetir... pare de sonhar, você precisa viver além das músicas!
– Ah! Vocês tiraram o dia pra me criticar? Sou assim desde que nasci, querem que eu mude por quê? Se não me aguentam e não querem mais minha amizade é só dizer, vou sozinha à Brad’s. Nada como um milk-shake pra me devolver o sorriso.
– Desculpe, Rosa! É que você me deixou arrasada com sua falta de interesse pelos problemas do Jeff com o pai. Por isso, resolvi te provocar, mas você sabe que não me importo com essa sua mania de viver no mundo da Lua.
– Espera aí. Sabe porque a Mary não reclama do seu comportamento? Porque as mulheres são assim mesmo, vivem fantasiando a cada boa tarde que recebem de todo rapaz que encontram na lanchonete. É incrível!
As amigas trocam um olhar de cumplicidade.
– Olha a dor de cotovelo! Não fique triste Jeff, nós concordamos que você até tem borogodó, mas é nosso irmão, não é Mary?
Sem dizer nada, ele dá a partida e arranca em velocidade. As duas disfarçam a risada.
Quando chegam à lanchonete, logo na entrada, Rosa vê Greg, o pivô da discussão de há pouco, rodeado de meninas, com sua guitarra, fazendo um showzinho básico. Ela fica parada por alguns minutos olhando o rapaz e depois segue em direção à mesa, ao lado do jukebox.
A lanchonete está cheia, enquanto vários rapazes dançam e se divertem, a maioria das garotas parece implorar para que Greg as convide para um passeio em sua lambreta. Rosa senta-se com os amigos. Na mesa, já estão servidos deliciosos milk-shakes e suculentos hambúrgueres.
– Como vocês foram rápidos!
– Ah! Rosa, senta logo... e para de sonhar com o Greg, ele é um sacana.
– Jeff, não fale assim com a Rosa!
– Calma, Mary, era só um teste pra saber se vocês estavam de bem de novo mesmo... ahahaha.
– Bobo... nós somos amigas! Podemos discutir, mas nos amamos!
– É isso mesmo, Mary! Somos três eternos amigos e nada nem ninguém terá forças pra nos afastar!
– Ou pra nos aguentar... ahahaha!
– Não seja desagradável, Jeff. Somos os melhores partidos que há nessa lanchonete, só falta o mundo nos reconhecer!
Os três fazem um brinde à amizade com as taças de milk-shake. E no palco, Greg e sua banda atacam de Chuck Berry.
– ... “People passing by they would stop and say. Oh my, but that little country boy can play. Go, go, go, Johnny, go, go. Go, Johnny, go, go. Go, Johnny, go, go. Go, Johnny, go, go”.
Jeff e Mary estão tão animados acompanhando a música, que nem percebem o olhar pensativo e distante de Rosa. Ela parece mergulhada na enorme taça de milk-shake à sua frente.
Para encerrar, Greg e sua banda escolhem Jerry Lee Lewis. Quando os primeiros acordes de Great balls of fire ecoam, a empolgação toma conta do salão. Jeff puxa Mary e Rosa para a pista e... “you shake my nerves and you rattle my brain. Too much love drives a man insane. You broke my will, but what a thrill. Goodness gracious, great balls of fire”.
Depois da banda esquentar o ambiente, o palco deixa de ser o centro das atenções e o jukebox passa a dar o tom. Rapazes e moças se revezam na escolha das músicas, mas como a mesa de Rosa e seus amigos está ao lado do aparelho, eles aproveitam a chance de escolher antes de todos.
Jeff esquece a máxima “primeiro as damas” e se adianta. Ele resolve mostrar seus dotes artísticos imitando Elvis Presley. As pessoas abrem espaço na pista para sua performance ao som de Don’t be cruel.
Mais tarde, Mary fica tão animada que nem parece que só bebeu milk-shake... ahahaha! Ela esquece os óculos fundo-de-garrafa e a timidez e se joga na pista de dança ao som de Rock around the clock. Até o próprio Bill Haley se empolgaria vendo a desenvoltura da menina.
Enquanto isso, Rosa continua sentada ao lado do jukebox, vendo os amigos se divertindo, as pessoas dançando sem parar e os casaizinhos pelos cantos, loucos para se perderem em amassos cinematográficos. Com os olhos brilhando, Rosa fala baixinho: “ah... a gente só quer ser feliz”!
Jeff volta para a mesa puxando Mary pela mão. E tirando Rosa das reflexões.
– Agora é sua vez, Rosa!
– Aposto que vai escolher uma do nosso Ritchie Valens!
– A mais doce de todas!
Sonhadora, ela escolhe a romântica We belong together. Enquanto casais apaixonados tomam a pista de dança. Ao lado do jukebox, Rosa fecha os olhos e acompanha a letra, cantando baixinho.
– “You're mine, my baby and you'll always be. I swear by everything I own. You'll always, always be mine. You're mine and, we belong together. Yes, we belong together, for eternity”.
Uma batida na porta faz Rosa abrir os olhos... e voltar a ser a menininha de laço no cabelo, em frente ao espelho da penteadeira.
– Filha! O Jeff e a Mary já chegaram para o lanche. Traga seu bambolê. Eu fiz aquele bolo que vocês adoram!
Rosa levanta ainda confusa, pega o bambolê.
– Vem logo, sweet dreamer! O Greg veio buscar sua irmã para a festa na Brad’s! Vem ver como ela está linda com o vestido que compramos ontem!
Rosa senta na banqueta em frente ao espelho e dá um suspiro.
– Ah! Como é bom sonhar com beijos, abraços... milk-shakes compartilhados. Meu dia de romance vai chegar! Por enquanto, come on, let’s go!
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